sexta-feira, 29 março , 2024
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Léo Rosa de Andrade

METÓDICA MODÉSTIA INTELECTUAL

Em geral, se temos nossas concepções confrontadas, tendemos a permanecer com o pensamento estabelecido. Raramente abrimos mão de uma opinião formada, não obstante a razoabilidade de argumentos contrários. A filosofia considera a argumentação uma ferramenta base de trabalho. Sócrates inventou o melhor método argumentativo, a maiêutica, que consiste em perguntar ao interlocutor, não em afirmar-lhe algo.

Multiplicando perguntas, Sócrates conduzia o interlocutor a determinadas respostas. Assim, como as conclusões restavam advindas do seu colocutor, o filósofo obtinha com mais facilidade adesão às suas proposições. Não obstante a eficácia do método, ou até mesmo por culpa dela, sobrou a Sócrates um pequeno incidente: ele foi condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude e ofender os deuses com suas ideias.

Embora a persuasão seja necessária para o trânsito de juízos e para a própria vida em comum, persuadir não é tarefa fácil. Usualmente se supõe que pessoas menos inteligentes ou menos intelectualmente preparadas são menos suscetíveis. Não é assim; antes, pelo contrário: quem é inteligente e estruturou seus pensamentos no senso comum tende a usar a inteligência e a estrutura conceitual para mantê-los, esgrimindo falação com maestria. Assinado por Tauriq Moosa, papodehomem.com.br publicou Os perigos de ser inteligente, que edito: conforme “recente texto de Jonah Lehrer no New Yorker, ‘a inteligência parece piorar as coisas’. Isso se dá porque, como concluíram Richard West e seus colegas, ser mais inteligente não faz com que você seja melhor em transcender visões injustificadas e crenças ruins que naturalmente acabam fazendo parte da sua vida.Pessoa mais inteligentes são mais capazes de jus tificar a si mesmas e as suas inconsistências ou falhas óbvias, enquanto provavelmente censurariam interlocutores que exibissem tolices equivalentes. São as piores nesse aspecto porque não conseguem reconhecer os seus condicionamentos e enganos graças a uma camada complexa e profunda de justificativas que contaram a si mesmas e que manobram com habilidade”.

Mesmo quem é dado ao hábito da leitura muitas vezes repete esse mau hábito. Há quem resuma os estudos à confirmação do que já pensa; não se põe em xeque, submetendo a decifração da vida a uma rota de mão única. Talvez de feitios assim advenham as “bolhas”: aglomerados odientos de favoráveis à mesma causa. Nesses casos, a defesa de posições extrapola em ataques já não a adversários de ideias, mas a inimigos ideológicos. Enfim, gente inteligente convencida de sua correção e com aptidão de raciocínio, mais se munida de “certos” dados, argumenta melhor contra críticas, mesmo as adequadas. Inteligência, contudo, nem sempre abona certeza. Em muitos casos, ela só faz a pessoa ficar melhor no se haver por certa. Eu sugeriria, assim, que você desfrute de sua inteligência, mas indague seus saberes. Seja: que cultive uma metódica modéstia intelectual.

SINGELAS EXPLICAÇÕES DO MUNDO

Nobres e plebeus. Plebeus iguais a plebeus, era massa geral indistinta. Nobres organizavam-se e estabeleciam distinção entre si mesmos: barão, o menor grau na hierarquia nobiliárquica; acima dele, o visconde; depois, o conde, que ficava abaixo do marquês; então, o duque, que trazia acima de si o príncipe; por fim, coroado, o rei.

Esses títulos eram e são conferidos pelo rei e se tornam hereditários. Essa gente, tão-só por ter nascido, tinha e tem enormes vantagens sociais. Parece coisa do passado. Não é. Grande parte da Europa vive nesse sistema. Vive e gosta: segundo pesquisas recentes, quase 70% da população inglesa admira sua rainha. Pode? Não, não pode, mas pode.

Os nobres se haviam, antes da Revolução Francesa, como primeiro estado. O segundo estado era a hierarquia católica: padre, monsenhor, bispo, arcebispo, cardeal, papa. Relações religiosas de subordinação. Muitos se fazem vassalos dessas estruturas. Espontaneamente, os sequiosos por uma conjeturada salvação sujeitam-se a elas.

 As multidões, mais do que crer, movem suas vidas por tais coisas. Sofrem angustiadas por uma briga sem fim que acontece nas entranhas da psique: uma luta entre seus desejos e suas interdições. Seus prazeres são pecados; seus pecados, culpas; suas culpas, insuportáveis. O que é insuportável é recalcado, escondido no inconsciente; fica infernizando a vida.

E os nobres com isso? Recorro a eles para mostrar como é difícil nos livrarmos do que se nos assenta como tradição. Somos república desde 1889. A república moderna é uma invenção burguesa. A burguesia nos legou esse valor. Bem, não obstante sermos plebeus, republicanos e com aspiração a burgueses, como consideramos a nossa própria condição?

Não nos temos nada bem a nós mesmos. Conforme o dicionário (edito o Houaiss): plebeu é o comum, de qualidade ordinária, destituído de distinção, reles; burguês é, pejorativamente, aquele que não tem grandeza nem abertura de espírito por excessivo interesse por êxito material, o que tem valores conservadores no âmbito político, social e cultural.

E como avaliamos o nobre? Bem, dizemos, é aquele que merece respeito por seus méritos e qualidades; digno, ilustre, emérito; que se distingue por sua solenidade, pompa; majestoso, augusto, magnífico; que é voltado para o bem; elevado, magnânimo, generoso. Ingratos!

Devemos o que somos à burguesia, mas espinaframos o burguês e exaltamos a nobreza.

Será que alguém com um rasgo de sensatez acredita mesmo que esses epítetos cabem a um nobre? Servidão voluntária. É tamanho o ímpeto de subordinação, inclusive a uma ordem já sem sentido, que permanecemos denominando o que temos de melhor com esse vocábulo: metal nobre, tecido nobre, horário nobre, comportamento nobre, nobre autoridade.

Os plebeus eram o gado dessa gente. A burguesia pôs fim a essa organização do mundo, impondo seu próprio arranjo. É o que está por aí. Para muitos, estamos na solução final da História, como se não houvesse mais o que fazer. De fato, as tentativas de superar a ordem burguesa restaram em ditadura. Também é verdade que o Brasil não é exatamente burguês.

Somos conceitualmente patrimonialistas; na prática, um compadrio corrupto. O ranço coronelista, sem nenhum argumento moral, trocou a herança de títulos pela herança de capital. Ademais, não há sustentação ética que possa manter declarações formais de igualdade enquanto se pratica uma materialidade desigual de condição socioeconômica.

Mentalidade (copidesco o Aurélio): o conjunto dos hábitos intelectuais e psíquicos de um povo. Nossos hábitos intelectuais? Não vamos bem nisso; ficamos na rabeira de todos os índices internacionais que medem sabença de qualquer coisa. Nossos hábitos psíquicos? Reprimidos encomendando-se espírito de luz, caminho do céu, unguento da salvação.

Outro pensamento: um bravo líder sindical de nome Jorge Feliciano (maltratado pela Ditadura) expôs ao patrão certas ideias que elucubrara. O patrão as houve como boas; Jorge reverteu-se: deu-as por más. Ante o espanto patronal, elucidou: “Se é boa pra ti, não pode ser boa pra mim”. A isso se chama consciência de situação no mundo. Pouca gente a tem.

A grande parte cai singelamente em crenças e subordinações: imita tipos notórios, submete desejos a religião, inveja posição. Afirmo que há rotas mais felizes: dá gozo ao corpo e à vida, faz bem ao coração; peca contra a moral repressora, tua psique agradece; e lembra-te do Jorge: o que é bom para os soberanos do sistema não é bom para mais ninguém.

OS DESAGRADÁVEIS SENHORES DA RAZÃO

Há quem constitua algumas ideias como apoio explicativo dos afetos, dos fatos e mesmo do mundo, mas admite que outros possam compreender diversamente as mesmas questões. Há, contudo, quem não aceite – e nem saiba – que o seu pensamento seja apenas um dentre tantos outros possíveis.

Estas pessoas estão convencidas de que a sua compreensão não é nada mais, nada menos do que a verdade.  Assim, elas não têm uma opinião, elas ditam certezas. Em geral, nós achamos que estas pessoas são chatas. Elas são chatas, mas também são bem mais e pior do que isto. Elas são perigosas.

Gente assim – em público percebo mais homens – só pontifica; é enfadonha e autoritária. Ao nos obsequiar com os seus infalíveis conhecimentos, crê nos conduzir nos nossos dias futuros. Fala-nos com olhar blasé, convicta de que nos concede uma graça: salva-nos da ingenuidade e da ignorância

Estas pessoas desagradáveis supõem-se entendidas de muito sobre tudo. Acreditam-se técnicas de futebol, grandes amantes; dirigiriam melhor a empresa; governariam bem melhor o Brasil. Se lhes dermos corda, ouviremos que dariam um jeito no mundo. E é no “jeito no mundo” onde eu quero chegar.

Eu imagino o que é viver com um sujeito desses como colega de trabalho ou escola, companheiro de clube, amigo de bar. Ou dentro de casa: marido, pai, às vezes mãe, irmão. Mas, nesta dimensão doméstica, pessoal, em que eles nos aporrinham individualmente, a gravidade não é maior, é só mais próxima.

Com um pouco de paciência, livramo-nos deles. Ocorre que, não raro, eles se organizam e desenvolvem métodos: desde mandar mensagem com suas sabedorias até comprar espaços em redes de televisão. Ficam lá, convencidos e tentando nos convencer de que têm a solução para uma vida melhor.

Formam tribos de parecidos entre si (as bolhas de internet), fazem-se chefes e põem-se a jactar suas estupidezes. Falam com superioridade de suas convicções e nos aconselham, ou ameaçam, explícita ou veladamente, com uma vida desastrosa, com a fúria divina, com a falência profissional.

 Neste estágio mais avançado de exaltação delirante, já não são impertinentes inofensivos, já não querem tão só nos convencer; querem nos salvar do que imaginam ser a nossa perdição, querem nos converter, querem-nos para eles, para a sua causa. Mas ainda temos o controle das coisas.

Gente desta natureza, contudo, às vezes, pesa. Em muitos lugares, em muitas épocas, estas pessoas, seguras de que portam a verdade, conseguem juntar sua fé com armas e algum poder e aí transformam chateação em assassinatos, guerras, genocídios, terrorismo e o que mais puderem fazer.

Elas estão no estágio do “jeito no mundo”, com a licença moral de uma causa política, étnica, sexista, religiosa (sobretudo), ou outra qualquer. Neste ponto – se elas detêm poder –, já há pouco que se possa fazer. Elas sentem-se iluminadas e portam uma revelação que, por bem ou por mal, há de vingar.

Atualmente, como soe acontecer, há muita violência ideológica ao redor do planeta. No Brasil, particularmente, há combates fascistoides para o gáudio de gente assim. Por detrás desta violência, há os convencidos, os mesmos convencidos de sempre, de alguma verdade que não podem deixar de impor.

 Não sabem, nem nunca vão saber, que uma verdade, qualquer verdade, é localizada, é circunscrita, ou seja, serve por algum tempo e em algum lugar, apenas. Depois, as coisas mudam e tudo o que se sabia já não prevalece; morre como valor. Sobra só um saudosismo da própria imaginação imobilizada.

Assim caminha e, espero, caminhará a humanidade. Se alguém, aliás, tivesse uma verdade e conseguisse fazê-la a verdade do mundo, tudo seria uma mesmice enfadonha. A própria História – História da vida – perderia o sentido. Sairia a epopeia humana, ficaria o registo de uma sempre repetição do igual.

Que tristeza: ninguém mais terçaria ideias, a História ficaria quieta, os argumentos intelectuais perderiam a emoção. Ainda bem que alguns (estes chatos de bar, de casa, de terrorismo, de igrejas ou de televisão) têm exatamente uma única e verdadeira razão, mas a maioria de nós, felizmente, não.

CONCLUSÕES DE UM MARIDO BÊBADO

Gosto de quem conta causo. Eu mesmo não sou bom contador. Mas, deste que me frequenta a memória, vou dizer como aconteceu: o garçom, com o queixo descansado no punho, apoiado no balcão, dava cochilos em pé. Oito clientes, todos homens, reuniam-se na única mesa ocupada.

Dois quietos, pensando longe. Seis deles falavam alto. Discutiam. O que parecia argumento arremedava convicção. Era tarde da noite, mas o restaurante, que declarava tolerar a vontade de não ir embora de qualquer cliente, estava cumprindo com a fama de aguentar qualquer estado que fosse.

Eu queria tomar sopa, entrei.  Não cheguei a pedir. Três ou quatro passos na casa e fui chamado. A voz arrastou meu nome, mas o tom era de intimação. Dei-me por distraído, decidido a não ouvir. Agora!, decidi em vão. Tive que escutar, porque, na segunda vez, a voz veio insistente.

Sorri para o grupo, cumprimentei alegre, com a esperança de me safar. O sujeito foi imperativo: “Sentaqui”. A esperança depereceu. Cabe explicar: político de interior é assim, não pode recusar convite; é dever seu fazer-se sempre à disposição. Entre relutante e conformado, sentei.

Os dois que se punham quietos seguiram “viajando”. Dos demais, me veio um alvoroço de vozes em minha direção. Queriam que eu opinasse sobre algo que não compreendi desde logo. Fiquei em silêncio, e fui deslindando as falas enquanto era tratado como quem fosse julgar um caso.

Tudo o que me movia era uma baita fome. Algo que me saciasse e já me iria embora. Não queria desatender as pessoas. Ademais, confesso, pessoas são eleitores. Contudo, àquela altura, não era de ouvir coisa nenhuma, menos ainda de arrematar conversa fiada. Mas não escapei.

Em segunda esperança, tentei meia sorte. Levantei a mão. O garçom, recomposto, deu-me cuidado. Prometeu-me salvação da fome, garantiu-me o prato de sopa. Gritei – tinha que gritar – que ouviria a todos. Empolei voz de autoridade: “falem, penso enquanto como, ao fim concluo”.

O garçom logo me serviu. O meu apetite saboreava a sopa e eu meneava a cabeça, ar compenetrado, tentava não adiantar voto, concordando um pouco com cada qual. Ainda falavam seis, dois dizendo nada; ou… dizendo de si para consigo. Logo, logo, me situei. Peguei a compreender.

Estavam no restaurante; estariam sempre no restaurante. O restaurante era o lugar necessário no caminho dos seus dias. Chegavam logo que desse ao restaurante; faziam gosto do restaurante; passavam da hora no restaurante. Por que não estavam em casa? Por que não queriam ir embora?

Eram essas as suas questões relevantes de mundo. Não que filosofassem a vida do mesmo modo; mas de fato tinham um denominador comum. Estavam de acordo sobre a pergunta que consideravam desdobrada em duas: porque não querer estar em casa era diferente de não querer ir embora.

Conseguiram explicar; consegui entender: tratava-se de mais do que ir ou não ir para casa. Não estavam em casa, mas não era porque não gostassem de estar em casa. O busílis era sobre não querer ir embora, isso era bem outra coisa. Ou… essa era a coisa assuntada. Não a deslindavam.

Três defendiam que era por respeito à mulher: discutiriam, fariam sofrer a mãe de seus filhos. Uma canalhice! Melhor deixar para mais tarde. Os demais falantes declaravam covardia, de todos. Se fossem, um dia teriam que enfrentar o assunto do desgosto de ir. Então, restavam não indo.

Explicitei circunspecção diante de tema tão existencial. Essa não seria uma indagação da mesa, mas a dúvida da humanidade. Perguntei, não obstante, se não acabavam, de todo jeito, a noite em casa. Olharam-me como se olha para a ingenuidade: “Noite alta, bêbado, mulher não fala”.

Afetei espanto: “por que não fala!?” Fui abraçado. Então me disseram com candura paternal que toda mulher sabe que conversar com marido na madrugada, sonolento, bêbado, não adianta nada. Tentam, percebem que o resultado é triste, desistem: “É assim, todo mundo sabe”.

Então, sem mais, um dos senhores que se quedavam em compenetrada quietude ergueu-se e sentenciou: “Não era nada disso”, afirmou, “só não sabem o que dizer porque não conhecem a própria mulher. Ninguém sabe o que quer uma mulher”. Olhou para o rapaz boquiaberto ao seu lado:

 “A tua mãe: eu não sei quem é; durmo com ela há trinta anos, mas não a conheço… não sei o que pensa. Namoramos, casamos… de lá pra cá… não sabia… não sei… Como é que vou conversar?” Olhou para o garçom, que recolhia meu prato: “Dá mais uma”. Silêncio geral.

SOBRE ESTAR SÓ

Alguém pode estar só meramente porque restou em algum instante desacompanhado; há quem opte por estar afastado de todos; é possível que alguém acabe sozinho porque se tornou insuportável para as demais pessoas; muitos são solitários por não conseguir vencer o medo de aproximação.

Algumas pessoas procuram companhia para preencher o vazio da sua existência. Outras o fazem por não se suportarem a si mesmas. Suponho que há muitos motivos para quase ninguém gostar de estar só. Não importa a razão, em geral, não suportamos estar solitários. Ficamos agoniados.
 
Sei que há muito palpite sobre a solidão. Altemar Dutra cantava: “Antes só do que mal acompanhado”. Não creio nisso. A se ficar só, prefere-se qualquer tipo de companhia, inclusive as más. Vinicius de Moraes foi mais sincero: “Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”.

Desconfio que até Charles Bukowski mentia quando afirmava que gostava das pessoas, mas as preferia longe. Afinal, ele se complicava com a maioria delas, mas gostava de ter sempre com quem se complicar. Bukowski não era um retirado, mas um provocador. Um provocador acompanhado.

Intelectuais importantes refletiram sobre as circunstâncias da convivência: Jean Paul Sartre dizia que o inferno são os outros. Victor Hugo pensava que solidão é o inferno. Nem sempre. Fico no entremeio proposto por Josh Billings: a solidão é um lugar bom de se visitar, mas não é uma boa morada.

A ciência, enfim, compareceu. A FSP (Juliana Vines, 22jul14), noticia uma pesquisa da “Science” sobre essa questão de ficar a sós com os próprios pensamentos. “O resultado do estudo surpreendeu até o seu coordenador, o psicólogo Timothy Wilson, da Universidade da Virgínia (EUA).

Desafiadas a ficar de seis a 15 minutos sem companhia (e sem celular), 57% das pessoas afirmaram dificuldades para se concentrar, 89% disseram que a mente vagou e 49% não gostaram da experiência. Em outro teste, 67% dos homens e 25% das mulheres preferiram levar choques a ficar sós”.

Para Wilson, “parece que há uma dificuldade para se distrair com a própria mente”. A convivência com a tecnologia de comunicação individual denuncia um sintoma e é uma causa dessa dificuldade, restando que “hoje temos menos oportunidade para refletir e desfrutar dos nossos pensamentos”.

 A meu ver, esse problema acompanha a humanidade; é seu apanágio. O sucesso de todo esse aparato tecnológico não é só uma questão de oferta tentadora, mas também de uma tentação demandadora. Esses brinquedinhos serenam a nossa insaciável sede de contato.

E a isso, segundo Lívia Godinho Nery Gomes (psicóloga, UFS), soma-se outro fenômeno que as mídias sociais incrementaram: a necessidade de estar sempre disponível. “Há um apelo muito grande para estar em rede, compartilhar. Quem está de fora sente que está perdendo alguma coisa”.

Roberto Novaes de Sá (psicólogo, UFF) pontua: “A noção de realidade, de estabilidade e segurança é construída socialmente, através das relações com os outros e das ocupações. Quando não estamos inseridos em alguma atividade há um sentimento de não realização, fragilidade e angústia”.

O sociólogo português José Machado Pais abrange o relacionar-se consigo e com outras pessoas, e arremata bem: “A solidão surge quando não há capacidade de comunicação com os outros ou consigo. O estar só não significa estar em solidão se você está de bem consigo mesmo”.

Estar de bem consigo mesmo. Essa é toda a questão. Mas tal só é possível se o indivíduo portar um tanto de conteúdo mental que aporte sentidos à própria existência. Se alguém for um deserto de ideias, como poderá ter afetos agradáveis consigo? Que vida interior há em um interior vazio?
Aliás, falta de conteúdos que enriqueçam o existir produz estranhos agrupamentos de solitários: ovelhas buscam suas religiões, entorpecidos acorrem aos balcões das farmácias, bêbados apostam esperança no álcool, utentes de outras drogas se empenham com seus traficantes.

Penso nas noites: multidões à procura de encontros. Nenhum encontro basta para a completude humana. Sós não somos suficientes, mas ninguém se apazigua buscando sentidos fora de si. Ou o sujeito se faz admirável por si mesmo, ou jamais deixará de estar ávido do que não encontrará.

FACEBOOK, CONTROVÉRSIAS SOBRE O AMOR

Do Facebook, edito diálogo ocorrido no grupo Masculino. Cristiane Dandolini Pickler publica: “Sobre os relacionamentos, o amor… Parece-me que o capitalismo também o tomou. Jorge Luis Borges: ‘O amor é amizade e sexualidade. Para que o amor seja duradouro é necessária uma conversa contínua, uma troca de duas vozes sempre redescobrindo a si mesmas. Na atualidade o amor quer liberdade tipo: Você me agrada, ficamos juntos, você me cansa, eu o dispenso. Experimentamos o outro como um produto’. [Hoje], o amor é uma aventura de que não queremos nos privar, mas com a condição de que ela não nos prive de nenhuma outra”.

Marlusa Tonial: “Muito pertinente. É o perigoso caráter utilitário que as coisas vêm tomando. Acredito que isso não serve para relacionamentos, amores, amizades”. Cristiane: “O amor (não o romântico, mas o citado) exige reciprocidade, não só porque declarar o amor significa uma demanda, mas também porque aponta que, no outro, algo faz com que ele seja amado. Muitos preferem viver isolados, com seus sintomas, a se lançarem ao outro, com medo de serem apenas desejados, admirados, e não verdadeiramente amados. Desejo satisfeito, descartado…”.
Rui Coelho: “Interessante… Estava pensando: Está-se dispensando o amor, priorizando-se a ‘zona de conforto’ da individualidade?”. Provoco: “Ainda bem. Já pensou se o amor continuasse como um arranjo de família católica medieval?”.

Tania Abreu: “O amor […] toma a vida, o sexo, os sentimentos por inteiro. Nada mais falta. Já relacionamentos, esses têm espaço para muitos; a individualidade fica preservada e os sentimentos são contidos. É o comum de se encontrar. O amor anda raro”. Manifesto-me: “O amor monogâmico, disciplinador, sim. O amor demarcado pelo concílio de Trento ditou essa forma irreal, e desde então as pessoas submetem-se a ela, até acontecer a sua ‘naturalização’. Isso é uma disciplina, não é um afeto. Ademais, na vida sempre há falta, com ou sem amor”.
Lucas O. Alves: “Gostei da tua provocação. Em perspectiva histórica, nunca houve momento tão progressista no tocante às liberdades individuais e possibilidades de enlaçamentos afetivos. Isto não necessariamente rebaixa o nível do amor, apenas torna suas formas mais plurais. Contudo, classificar qualquer experiência de gozo [gozo, na linguagem psicanalítica, é associado a excesso] como ‘amor’ tem sido algo rotineiro na sociedade contemporânea (algo que Bauman discutiu em amor líquido), possivelmente gerando sintomas individuais e sociais como a angústia e o descomprometimento ético”.

Cristiane: “Angústia, descomprometimento ético, desrespeito, objetificação do outro… Concorda? Afinal, também somos resultado da cultura. Vivemos em sociedade. Adaptar-se não é aceitar”. Lucas: “Concordo. Só temos que tomar cuidado para, com esta crítica, não fomentar discursos conservadores que pregam o retorno a antigos valores. O amor sofre o efeito do significante e só faz sentido nas interações culturais. É um valor mutável, com variância histórica e individual”.

Cristiane: “Discursos conservadores, retorno de valores antigos… Mas o outro objetificado, produto descartável nos discursos, relacionamento modernos… Preocupa, assusta”.

Respondo a Lucas e Cristiane: Desejo com comprometimento ético? Ora, desejo é conteúdo essencial. Ética é circunstancial, ideológica. Cultura pede castração (em linguagem psicanalítica, não ser o dono do mundo), mas não pede disciplina, submissão às instituições. A sociedade precisa de democracia, vida plural, aberta. Isso conflita com a institucionalização dos desejos.

Menos concílio de Trento, mais Maio de 1968”. Lucas: “A moral é ideológica; a ética é circunstancial e humana, assim como o desejo. O comprometimento ético com o outro é necessário para interditar o gozo. Sem ele, o outro não pode ser reconhecido como um outro do laço social ou um outro enquanto objeto de desejo, mas apenas como objeto de gozo, reificado para consumo e satisfação imediata. E quanto a Maio de 68? Sim, precisamos de mais. Urgentemente! Concílio de Trento significa a retenção do desejo; Maio de 68, a sua democratização”.

Divirjo de Lucas: “Moral é pressão social; ética é deliberação de foro pessoal. Ambas são ideológicas. E, sim, há que existir comprometimento, mas qual? O fundado na tradição católica? O libertário de 68? Um que seja eleito entre as partes interessadas? E se me falam em sociedade:

Que preceitos me alcançarão? Eu os polemizarei, ou os acatarei obedientemente? A reificação aludida, a coisificação, é não compreender que, se não faço escolhas, sou coisa produzida. Há que se interditar (castrar) o gozo que objetifica. Mas eu me interdito. Se me deixo interditar pelos costumes, alieno-me. Aí eu não estaria respeitando o outro, mas acatando normas sistemáticas”.
Lucas reitera que “o comprometimento entre as partes deve prevalecer”. Retomo:

“Comprometimento derivado da vontade das partes, interveniência dos envolvidos sobre a relação. Não é o comum. As pessoas se ajustam às molduras da sociedade. Não exercem vontade; obedecem. Servidão voluntária (La Boétie). Os voluntários da obediência ‘gozam’ as circunstâncias que os acachapam. Submetem seu desejo e até seu gozo à disciplina, sem diferenciar contenção civilizatória de disciplina institucional”.

Lucas retoma Bauman, pensador da modernidade líquida: certezas e relações tornam-se fluidas, instáveis. Reitero: assim é melhor. O “antigamente” era sólido em decorrência de violência institucional sobre as pessoas. Para ficarmos no amor: era submetido à vontade do patriarca, da igreja católica, do Estado, que prescreviam conteúdo e forma, vigiando e punindo desvios.

Borges e Bauman defenderam as formas passadas. Divirjo. Penso no enlace amoroso. Antes: papéis, proclamas, cerimônias. O Estado fiscalizava casamento e separação. Hoje são possíveis outros caminhos: declara-se em compromisso sério pelo Facebook. Quando acaba o gosto, o afeto, o amor, cada qual sensatamente se vai. E a vida continua. Livre, leve e solta. Ainda bem.

ENCONTROU-SE, MAS SE ARREPENDEU

Conhecer-se a si próprio. Antiga pretensão humana. Lembro-me de uma conversa de bar. Conhecido meu contava que foi à Espanha, trilhar o desgastado caminho de Santiago de Compostela, tornado moda.Vendido como místico, é destino turístico. Lá, a tarefa é refletir, mais do que caminhar. Pelo menos assim intentou meu conhecido, desejante de encontrar-se.

Creio que esse moderno desejo de encontro de si corresponde à atual leitura da antiga preocupaçãoestoica: saber o lugar de cada um na ordem geral das coisas. Conhecer-se, encontrar-se, a mim me parece, é pensar-se a si mesmo. Bem, para dizer-se, há-se que se saber escutar. No entanto, nós somos educados para muito falar e pouco preparados para ouvir.

Essa falta de educação para a escuta, em si mesma, embaraçaria qualquer chance de autoentendimento que se pudesse almejar. Ademais, ainda que se escutasse, para bem dizer-se o sujeito haveria, primeiro, que se saber; para saber-se, teria que, antes, dizer-se; para dizer-se, que saber-se; para saber-se, que dizer-se. O que viria primeiro?

O aforismo conhece-te a ti mesmo, diz a narrativa que nos alcança, estaria inscrito nos pórticos do Oráculo de Delfos, na antiga Grécia. Há quem o atribua a uma mulher, Femonoe, a primeira profetisa desse sítio de revelação. “É uma pedra angular da filosofia de Sócrates e do seu método, a maiêutica, e é muito citado pelo filósofo nos relatos de Platão” (Wikipédia).

Aqui, uma elucidação, digamos, filosófica: o pensamento dominante entre os gregos advinha do estoicismo, do qual, aliás, deriva o cristianismo de Paulo. Compreendia-se que o mundo era cosmos (hoje sabemos que é caos), que havia uma disposição organizada de tudo, então, para alguém ser feliz, devia encontrar sua “função” e desempenhá-la o melhor possível.

Bem, sobre a lenda do conhecer-se nasce outra. O templo desse mesmo oráculo teria proclamado Sócrates o homem mais sábio na Grécia, ao que Sócrates, modesto, teria respondido que, se assim era, isso decorreria de que: “Só sei que nada sei”.Como se vê, isso é pura contradição, pois, se nada sabia Sócrates, jamais saberia nada saber.

De si próprio é mesmo difícil saber. Poetiza Fernando Pessoa: “Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem me achei”. Sobre conhecer o fundo da própria existência, Mia Couto escreve: “Existo onde me desconheço”. Couto talvez não saiba, mas, antes, pontifica Jacques Lacan: “Sou onde não me sei”.

Aliás,Alice, no País das Maravilhas (Carroll, Lewis), já concluíra: “Eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. […] Receio que não possa me explicar, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas… Mas não posso explicar a mim mesma”.

Se não houver confiança em livros juvenis ou em devaneios de poetas, é de se perguntar ao profissional da mente: Inconsciente – “Qualquer processo mental cujo funcionamento podeser deduzido do comportamento de uma pessoa, mas ao qual essa pessoa continua estranha, sendo incapaz de o examinar e relatar” (Dic. Tec.Psi., Cabral, A e Nick, E).

Mais detalhes em Sigmund Freud, para quem o Inconsciente nos é desconhecido em sua verdadeira e mais íntima realidade. Aponho: não suportaríamos conhecê-lo. Comprovo-o com o tal sujeito da mesa de bar. Sobre a sua caminhada, alguém publicou no jornal: “Doutor fulano fez peregrinação para se encontrar. Encontrou-se, mas se arrependeu”.

TOPOI

*Em coautoria com Emilly Fidelix

O termo é de Aristóteles, pensador que viveu há 24 séculos e ainda hoje é referência importante na filosofia, na política, nas artes, na ciência em geral. Ele nomeava topoi (plural de tópos) as verdades aceitas que formam a base dos entendimentos e orientam as escolhas cotidianas.

Houaiss, tópico: “diz-se dos lugares-comuns ou o estudo ou os tratados a respeito dos mesmos”; Aurélio, tópicos: “lugares-comuns”. Os dicionários trazem vários significados para lugar-comum. Cuido do que remete à ideia de fórmula trivial, de amplo consentimento em determinada cultura.

Esmiuçando: os topoi são as verdades, digamos, populares, que se repetem, se espraiam e acabam por se consolidar, adquirindo status de sabedoria tradicional. Confundem-se um pouco com os provérbios e, como eles, transformam-se em saber sentencioso.

 Não necessitam ter conteúdo moralizante como têm os aforismos, mas acabam, igualmente, adquirindo foro de certeza proverbial. Também não são dogmas, dado que estes são arrimos fundamentais e indiscutíveis, base estruturante, sobretudo, das religiões.

Os topoi, pois, permitem discussão, mas como estruturam as compreensões primárias das tão buscadas “explicações das coisas”, não é nada fácil desconstruí-los. Desestruturar topoi equivale a solapar o ferramental intelectivo que as pessoas usam para explicar a vida que levam.

Bem, encontro postado no mural do Facebook de Emilly Fidelix: Na prática a teoria é outra. Provoco-a: “A afirmação de que na prática a teoria é outra é uma teoria, ou seja, uma afirmação teórica. Então, em sendo uma teoria, na prática ela pode ser outra coisa”.

Sigo, agora pautando na contramão do senso-comum: “Logo, podemos admitir que, na prática, a teoria pode ser a mesma coisa.” Emilly contesta: “Neste caso, não acredito que seja uma teoria, mas sim uma ideia formada, uma afirmação não demonstrada”.

Achei a resposta arguciosa. Se não é filosoficamente verdadeira, é contudo, uma “verdade” circulante. É uma ideia assentada, dessas que acabam não mais sendo questionadas, tornando-se base de explicações e compreensões da realidade, alcançando grau de autorreferentes: topoi.

Essas ideias formadas apenas com base nelas mesmas estabelecem-se sem verificação prévia ou confirmação posterior, portanto, estão suportadas em coisa nenhuma. Em palavras científicas, não são demonstradas; não são uma conclusão induzida ou deduzida.

Emilly e eu chegamos a uma questão: um teorema seria só uma teoria ou uma prática demonstrada? Rematamos: teorema é uma proposição possível de ser demonstrada por processo lógico. Teorema, pois, pode principiar como hipótese, mas resta como teoria.

Agora, a pensar: a proposição demonstrada pode ter aplicação prática, então, vamos à desconstrução de um topoi: em sendo um teorema uma teoria, se a teoria fosse necessariamente diferente da prática, cada aplicação prática de um teorema seria diferente de outra, mas não é.

Em verdade, uma teoria, quando posta em prática, pode restar igual, ou não. Variáveis podem incidir entre a teoria e a prática dessa teoria. Nos atos humanos, variáveis não são sempre controláveis, pois no caminho da realização prática é comum haver desvirtuamento da teoria.

Aí, novamente a teoria está correta: ela avisa que o humano (felizmente) não se comporta com muita uniformidade e coerência. Uniformes e coerentes são os insetos. Na vida, nós somos incoerentes. Humanos só se repetem com coerência em experiências controladas de laboratório.
Emilly e eu discutimos outros topoi. Há um muito citado por gente com jeito de sabichona: Toda regra tem exceção. Pois bem, se toda regra tem exceção, então a regra que diz que toda regra tem exceção igualmente haverá de ter, ela mesma, exceção. Logo, nem toda regra tem exceção.

Algum astuto responderá que tudo é relativo. Ah!, basta contradizer: a afirmação é tudo relativo é um absoluto; não cabe, com um absoluto, dizer que tudo é relativo. Enfim, topoi: máximas do senso comum; impostas como naturais e necessárias, facilmente caem. Basta refletir.

OS LIMITES DAS CERTEZAS

No Facebook, a frase de Nietzsche extraída de Assim Falava Zaratustra: “Homens convictos são prisioneiros”. Por que, ou do que seria prisioneira uma pessoa convicta? Um convicto é prisioneiro da sua convicção.

Convicção é uma opinião assentada a respeito de alguma coisa. Nietzsche falava de convicções que os opiniosos adquirem e às quais se apegam obstinadamente: convicções de pensamento.

Adriano Gregório comenta a publicação. Edito: “convicções como certezas inflexíveis certamente inviabilizam transição de ideias, então, barram a chegada do super-homem proclamada por Zaratustra.

Ocorre que são opiniões arraigadas que nos permitem acordar todos os dias e não encarar cada minuto de nossa existência como uma infinidade assustadora de possibilidades.

Uma vida com ausência de certezas tem o fio de realidade no qual nos sustentamos rompido, e o que sobra é obviamente loucura. Assim, certezas são essenciais ao desenvolvimento da vida humana”.

Gregório se modula: “O problema não está em sustentar uma convicção, mas em nutri-la como verdade absoluta. Certezas somente engessam aqueles que se apegam a elas tão fortemente que, sem elas, não existiriam”.

E encerra com uma afirmação com a qual, suponho, Zaratustra concordaria: “Quem sabe se certeza significasse a ausência de uma melhor e mais sólida opinião, aí faríamos das barras da prisão uma escada”.

O comentário polemiza questão central em Nietzsche: as formatações ideológicas – as religiosas sobretudo – condicionam o humano a viver os valores morais circulantes sem indagá-los e, pior, convicto deles.

A moral estabelecida é mesmo um “conforto” existencial. Ela nos dá as certezas de que precisamos para tocar a vida. Forma as balizas do bem e do mal. É como uma fórmula oferecida pelos “sábios do mundo”.

Mas essa moral que nos vincula nos adstringe as aventuras da existência. Os que têm as prescrições morais como certezas tornam-se cativos do prescrito e se esquecem de sondar o mais, reprimindo até a imaginação.

Moral: “conjunto de valores, individuais ou coletivos, considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens” (Houaiss). O busílis está no “universalmente”.

Sistemas de valores são objeto de estudo da ética. A ética investiga os sentidos dos preceitos morais, buscando compreender as razões de sua validade; não defende um código moral, mas o faz objeto de estudo.

Inexiste moral universal. Moral é doxa: “sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um determinado momento histórico supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural” (Houais).

Ética é episteme: compromisso com o conhecimento, com o abandono, se parecer sensato, de juízos, valores, paradigmas. Um investigador sensato sabe que não terá neutralidade, por isso submete-se a métodos. Nietzsche tem razão: as mais seguras certezas são refutáveis. E quem tem certezas até pode ser um ingênuo ou um alienado, mas é, antes, um autoritário, e se puder impõe suas convicções ao mundo.

Neste momento nacional em que o maniqueísmo político viceja, quiçá Adriano Gregório tenha razão: esta certeza toda que refestela um e outro lado talvez seja apenas a ausência de uma melhor e mais sólida opinião.

Mulheres para casar

Coautoria: Eron Corrêa

Certos assuntos, eu os tinha por vencidos. Refiro-me a esse nosso machismo. Sei que persiste nas entranhas da cultura brasileira, mas não cria que fosse tanto. Não pensava que ideações de mulheres imaculadas ainda constituíssem o imaginário masculino.

Então, Flávia Paz publicou no mural do seu Facebook: “Odeio mulher que se faz de menininha ingênua, fragilzinha, delicadinha, virgenzinha, santinha do pau oco. Será que os homens são tão otários que ainda caem nesse papo”?

Pois isso teve ampla participação, alongando-se, entre ironias e furiosidades, para além de cem comentários. Principia com Maria Gabriela Castanheira Pedroza, assegurando que os homens são, sim, otários ao ponto de tanto. 

Flávia indaga: “O que será de nós, mulheres inteligentes, decididas, honestas, diretas e bem-humoradas”? Maria Gabriela replica: “Tudo umas encalhadas, reclamando da idiotice masculina, ou… Mulheres se fazendo de menininhas ingênuas, frageizinhas, delicadinhas, virgenzinhas e santinhas do pau oco”.

Imaginei Flávia em um dilema, mas, nada disso; ela encara resolutamente os fatos: “É verdade, mas antes encalhada e reclamona do que ter quase 30 anos e ir pra cima do cara com papinho de que é virgem e pura, sem maldade…” Maria Gabriela completa: “Não quero lidar com criancinha babaca”.

Flávia sugere um vídeo: Mulheres inteligentes e solteiras. É uma reportagem da Rede Globo, comentando dados do IBGE. Confirma o que se sabe: homens preferem mulheres menos instruídas; mulheres estudadas são mais seletivas.

Resultado: mulheres mais preparadas têm menos chance de companhia. Mas isso é uma variante do assunto. O subjacente no desabafo da Flávia é a absurda necessidade de as mulheres posarem de castiças se conhecem um homem e querem namorá-lo.

Rui Duarte lembra que, no geral, os homens caem e gostam de cair nessa simulação. Eu pensei, mas não escrevi: “Já somos muitos os homens que superaram essa questão. A alguns de nós não carece de simular nada. Bem, Arilton Collaço Pereira escolhe o bom caminho do motejo: “Brinquem um pouquinho com eles”. 

Em http://atualidadesdodireito.com.br/violenciadegenero/ o assunto é discutido em sério. Aproveito, todavia, o artigo Mulher que dá na primeira noite… Essa é pra casar. O texto, de autoria anônima, contribui com a educação dos homens, pois é publicado em PapodeHomem.com.br, um endereço masculino. Reproduzo-o, com edição: “Desde pequenos, nossas mentes foram programadas com a seguinte ideia: mulheres são princesas delicadas que devem ser amadas e cuidadas. Isso é verdade, mas somente meia verdade. Mulheres são princesas, emocionais e delicadas? Sim.

Mulheres são safadas, sedentas por sexo e pensam nisso tanto quanto e às vezes mais do que os homens? Sim! Mas infelizmente essa informação não foi programada na nossa mente durante a juventude [em verdade, nos foi falsificada].

Por muito tempo a sociedade determinou que as mulheres deveriam ser criaturas santas, intocadas, puras, inocentes. Mulheres que transavam antes do casamento… Nenhum homem jamais queria saber delas para casar.

Isso tudo fez com que algumas mulheres se tornassem quietas e comportadas [ou reprimidas]. Mas algo muito mais forte e incontrolável rolava por dentro da mente (e da saia) feminina: a parte animal e instintiva da mulher criou um desejo enorme e um tesão espantoso por essa coisa tão proibida: sexo.

Queremos mulheres imaculadas. Mulher é um ser humano assim como nós. Se você sair para a balada e comer uma garota na mesma noite, quer dizer que você é um imprestável, prostituto, sem caráter? Claro que não. Mulheres gostam de sexo da mesma forma que nós, se não mais! [e gostariam de fazer sexo conosco].

Muitas mulheres [também para perda nossa] adiam o sexo pela mera razão de que se transarem de primeira podem criar uma imagem negativa. Quando transam com uma mulher logo de cara, vários homens realmente pensam que ela não presta (e incrivelmente não aplicam a mesma lógica para si mesmos).

Muitas mulheres não transam de primeira porque estão presas pelos padrões da sociedade e precisam manter a imagem de ‘garota de família’. Aquelas que transam logo de cara não se deixam influenciar pela sociedade. São livres, espontâneas, aventureiras, confiantes, seguras… mulheres pra casar.

Pare por um momento para digerir essa ideia e tudo que ela implica. Pense na quantidade de vezes que você julgou errado uma mulher por causa disso. Você pode mudar essa ideia e pensar direito, com bom senso em vez de senso comum”. Você pode até ter sexo na primeira noite, e depois, quem sabe, casar.

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