sábado, 20 abril , 2024
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Léo Rosa de Andrade

Temer, temeridades, feminismo

No dia simbólico das lutas femininas por igualdade, me vem um presidente da República, exatamente o da “minha” República, fazer um discurso que homenageia valores que todos queremos superados.

No seu tributo está a valorização daquela mulher que, à sua revelia, foi feita cuidadora dos filhos por “vocação”, gerente do lar por “destino”, tarefeira de supermercado, supridora de despensa.

É verdade que milhares de mulheres ainda estão atreladas a estes deveres, muitas vezes cumprindo-os ademais de outras funções desempenhadas “fora do lar”: uma estafante dupla jornada sem remuneração.

Tais funções não desmerecem ninguém; são relevantes em si. O que uma mentalidade antiquada não compreende é que não cabe o elogio do fadário social que demarca lugares masculinos e femininos.

A fala desastrada de Temer louva a mulher do patriarca, a senhora das coisas da casa. Um arenga que não cabe: as mulheres não carregam essa “natureza”; elas querem se livrar dessa “índole” construída pelo machismo.

Essa compreensão infeliz já não é possível até mesmo porque os homens minimamente esclarecidos discursam e procuram praticar igualdade, inclusive na vida doméstica. Temer é um homem de outros tempos.

Um homem com a cabeça na contemporaneidade pode até conflitar: teve uma educação; os valores circulantes são outros. Mas uma pessoa de elevado cargo público haveria de assuntar-se melhor, no mínimo.

Temer deveria compreender esse assunto. Ele não cai nisso desavisadamente. Tem antecedentes nesses seus procedimentos machistas. Foi duramente criticado por compor um ministério sem uma única mulher.

A presença da mulher na administração do País, aliás, já não pode decorrer apenas de simbolismo. Há inúmeras mulheres capazes de compor o governo federal, iguais que os homens, sem dever nenhum favor a ninguém.

Nem mesmo como marido Temer está atual. Jamais posicionou-se diante da revista que, sem ouvi-la, em texto recheado de ironia, carimbou, para escracho nacional, sua esposa Marcela de “bela, recatada e do lar”. Se tenho que lhe reconhecer as medidas de recuperação da economia, na seara dos costumes só lhe tenho a deplorar. Temer cumpre um tempo ideológico que dava às mulheres a condição de “prendas domésticas”.

Prenda significando predicado, qualidade, aptidão; doméstica expressando uma condição forçada de estar no mundo; ideologia conotando um modo de pensar determinado por circunstâncias sociais. Eis o que nos governa: o presidente restado do combo PTPMDB é emprenhado ideologicamente por essa compreensão vencida do feminino: uma aptidão para estar no mundo sob cuidados e para cuidados.

O dicionário resume: destino é “tudo o que é determinado pela providência ou pelas leis naturais” (Houaiss). Providência é a divindade do ensinamento cristão das “consciências”; leis naturais são o cientificismo machista.

A mulher angelical, frágil, limitada e reprodutora, criação da tradição semita, cristã, católica referendada pela demonstração “científica” que confirmou essa “vocação”, é um valor ainda fartamente circulante. A desconstrução dessa cultura de milênios está acontecendo agora, no nosso tempo, e em muitos lugares do Planeta. E cabe lembrar: o rescaldo patriarcal não é coisa apenas do Brasil e não só homens professam o machismo.

Um eurodeputado polonês (católico) pensa assim; um presidente norte-americano (protestante) foi eleito fundado nisso; um presidente brasileiro com valores de paróquia repete, suponho que alienadamente, essas coisas. Ignoro o eleitorado do parlamentar. Trump obteve quase metade dos votos femininos; mais da metade das mulheres brancas o apoiaram. Dilma fez Temer seu companheiro de chapa e de governo em duas oportunidades.

Sim, sei: circunstâncias eleitorais; respeito à “nossa” religião. Mentira. Concessões oportunistas. Negocia-se a “alma”, colhe-se resultado “desalmado”. Certas coisas não são concessíveis. Ou patinamos no que temos sido.

Temer, malgré lui, nos presta obséquio: acelera essa revolução de costumes bons, o feminismo. A cada temeridade sua, mais repúdio ao reacionarismo, mais se assentam conquistas feministas. Que venham outras.

Foro privilegiado, considerações

Neste país de privilegiados institucionais que se concedem a si mesmos vantagens sobre vantagens, decidindo eles próprios quanto à pertinência e à legalidade do concedido, uma expressão como foro privilegiado é um insulto.
O foro privilegiado, contudo, não é uma distinção pessoal. Tecnicamente, ele é uma prerrogativa atinente à função. Historicamente, foi criado ao tempo em que havia, mais do que hoje, influência política sobre a magistratura.
Seu objetivo, contudo, era inverso daquele que hoje, supostamente, atende aos políticos; objetivava poupar juízes de primeira instância do constrangimento de ter diante de si as autoridades dos altos escalões da República.
Eram outras épocas. Desde então, o Judiciário evoluiu, tornando-se independente, o que, em tese, é bom para a vida democrática. Esse Poder, contudo, está, talvez, autônomo, corporativo e ativista um pouco ademais do adequado.
O Poder Judiciário está parentético, fora do alcance de escrutínio popular, infenso à vontade pública. Não refiro a influência da opinião pública nas decisões. Aludo à representatividade e à legitimidade.
Suponho que nos tempos em que se havia a moral pública como mais elevada isso fazia todo o sentido. Os políticos tinham consideração social e influência decorrente do mandato. Hoje estão expostos à execração geral.
Generalizadamente postos sob suspeita pela Sociedade e precautelados da Justiça, os políticos vêm na prerrogativa de foro uma blindagem contra a Justiça, temporária que seja. Mas a motivo, a meu ver, não é o “instituto” da prescrição.
O horror dos envolvidos na maior investigação criminal do mundo (a herança maldita da era lulopetista) é a profusão de prisões preventivas determinadas pelos juízes de primeiro grau; o de Curitiba, sobretudo.
A proteção ao exercício da função pública elevada com a atribuição de prerrogativa de foro a quem a exerça, contudo, é essencial. Há funções que devem, no interesse do País, ser preservadas do facilitário processual brasileiro.
Nossas leis não responsabilizam pessoalmente membros do Ministério Público ou do Judiciário por denúncias infundadas ou recebimento descuidado delas. Simplesmente se as levam adiante sobre o desgaste do acusado.
Esse resguardo constitucional é uma legítima medida contra perseguições, vinganças, irresignações às quais estão expostos agentes políticos, como os presidentes dos Poderes, os parlamentares etc.
Não é alegável, pois, que “a República não comporta dois tipos de cidadania”, dado que o cidadão no exercício da vida comum não está exposto aos dissensos do poder como estão os ocupantes dos cargos de Estado.
A preservação que seria da função das principais autoridades do País, contudo, se foi alargando. Chegamos a mais de 20 mil ocupantes de postos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, nas diversas instâncias de federação.
Agora, diante do desvelamento da mais ampla rede de corrupção da história nacional, uma quadrilha ampliada caiu nas barras do STF, que não é, de fato, uma vara de processamento criminal típica, ocorrendo, pois, dificuldades pontuais.
Então, parece, em face de obstáculos circunstanciais apresentados pelo Supremo e havido o desgaste fomentado pela multidão de políticos ladrões, investe-se contra um instituto que protege o desempenho elevado da política.
A alegação mais em voga, a de que no STF os processos soem prescrever, gerando impunidade, não corresponde aos fatos. O congestionamento processual é no todo da máquina judiciária, não nas cortes superiores, somente.
Proteger o exercício de certas funções é ideia válida, mas pede redução do número delas ao essencial. A mera condição de político não justifica a transformação de prerrogativa de função em privilégio pessoal.
Ao mesmo tempo, carece que se aprove lei que responsabilize pessoalmente juízes e promotores por abusos que cometam. Se político não deve ter privilégio e ficar imune à lei, o mesmo é válido para um juiz ou um promotor.
Aliás, as vantagens abusadas autoconcedidas por políticos, o MP devia combatê-las e o Judiciário, condená-las. Não o fazem. Antes, promotores e juízes as reproduzem para si. Nisso, de privilégios, todos eles se entendem muito bem.

Manigâncias do poder

O mundo foi por séculos uma ideia só, emanada de uma única fonte de poder. Ou se era católico, ou se era coisa nenhuma. Isso chegou a um ponto em que o catolicismo era muito mais do que uma “opção de crença”; era a explicação de tudo, a interpretação única dos acontecimentos.
O Renascimento, a redescoberta da ciência grega, o Iluminismo… As complexificações que as ciências trouxeram. O poder deixou de ser vontade da divindade católica e se tornou coisa da humanidade. Maquiavel (que não era maquiavélico) explica isso muito melhor do que eu.
Os estados nacionais, as disputas de grupos organizados pelo seu comando, as compreensões ideológicas, a burguesia restringido os limites da nobreza (ainda não completamente), as lutas de classe, o surgimento das mídias, o nascimento da opinião pública (ou publicada). A dialética do poder.
O poder tornou-se movimento, uma medida de força permanente. No tempo da Guerra Fria (pós Segunda Guerra) houve marcante retrocessão. Havia o mal, havia o bem. Conforme a posição geopolítica e ideológica do interessado, do alinhamento com a URSS ou com os EUA, os conceitos eram maldosos ou bondosos.
Reducionismo. Simplificação. Sectarismo. Pobreza intelectual. O arranjo da própria existência advinha da posição grupal. Foi um tempo de controle: da arte à escola infantil; da música ao conteúdo das disciplinas escolares. Capitalistas e comunistas conspirando, financiando ditaduras, manipulando o que podiam.
Essas forças eram verso e anverso de uma briga que se espraiou pelo planeta. As partes envolvidas não eram adversárias de ideias, mas inimigas. Os inimigos deveriam ser excluídos. Sobre parte do mundo estabeleceu-se uma Cortina de Ferro, a ditadura burocrática e militar de orientação soviética.
Sobre outra parte, incluindo a América Latina, foi implantada a Doutrina da Segurança Nacional, de inspiração estadunidense. A implementação da teoria foi confiada aos milicos do Continente. No Brasil, 1964: militares, UDN, igreja católica. Polícia, censura, tortura, assassinatos, corrupção. Educação Moral e Cívica, um horror.
Contra isso, duas frentes resistiam: os comunistas e os democratas. Os comunistas, minudentes, formaram seitas disciplinadas, “cabeças feitas”, centralismo autoritário que denominavam democrático, guerrilha. Fariam a revolução em breve e salvariam o povo. Pretexto para a Ditadura mais se prolongar e mais matar.
Os democratas foram lidando com as brechas, alargando-as, fortalecendo posições. Não foi nada fácil. Ao fim, conciliação. A História do Brasil está forrada de acertos “por cima”. A democracia veio depois do ajuste: anistia ampla, geral, irrestrita e “recíproca”. Os ditadores, no “recíproca”, anistiaram a si próprios.
Reorganização das coisas, retomada dos caminhos democráticos. As disputas políticas vão se conduzindo por meio de partidos. Os derrotados não se conformam. Na linguagem do futebol, perdem na grama, buscam vitória no tapetão. O PT inaugurou a coisa: impeachment de Collor.
Foi péssima inauguração. Mas a grei lulopetista entendeu de seguir no “golpe” inaugurado: pediu impeachment, “golpe”, de todos os presidentes que não os seus. Pediu meia centena de vezes. Pediu tantas e tantas vezes que houvesse um “golpe” até que seus comparsas de governo manobraram o seu.
Manigâncias do poder. Os poderosos sempre manobram o poder. Fazem até o que não devem fazer. O instituto do impeachment, um ato extremo contra um governo eleito, o “golpe”, foi trazido à baila pelo PT. O PT foi alcançado pelo seu modo de lidar com governos eleitos. Segundo nomearam: “golpe”.
Collor foi inocentado pelo STF que, diga-se, não indicou. Restou por aí uma acusação mal provada de que alguém lhe pagara um Elba (carro popular). Petistas indicaram oito de onze ministros do Supremo. Petistas estão por demais implicados em crimes de corrupção. Vão opor suspeição às suas indicações?
Há uma coisa outra: petistas principiaram um discurso de “nós” e “eles”: o bem e o mal. Diversionismo dos desmandos e corrupção. Também deu certo, mas também foi uma péssima ideia a ser instaurada como manobra de poder. Essas partes divididas tomaram gosto e foram nomeadas: mortadelas e coxinhas.
Guerrilheiros da desinformação. Preconceito e ressentimento. Insultos desprovidos de opinião. Consolidamos, sem muita convivência democrática, a democracia. Vamos superar os impropérios e a malcriadez. Isso vai até a próxima eleição. Que nenhum aventureiro avente “golpe”. Que o Brasil se trate com sensatez.

Fora fascistas

Há expressões que abrangem pensamentos complexos. Uma, aggiornada, está em voga: fascista. Ela foi, contudo, apropriada. Certos grupos apossaram-se do termo e o usam para epitetar quem quer que lhes abra divergência. Tornou-se um facilitário argumentativo. Já não se opõem ideias. Pespega-se o rótulo: fascista.
O que caracteriza um fascista? Ele investe contra o interlocutor; carrega certezas; constitui inimigos; divide o mundo entre “nós” e “eles”. As regras gerais só lhe valem se lhe convêm. Pontifica sobre leis, política, economia, convivência social. O fascista categoriza sobre a vida. Para o fascista, o divergente é fascista.
O fascista é militante da repetição. Mentirosos, são os Goebbels das redes sociais: são coxinhas; são mortadelas. Coxinhas, por ódio de classe, têm nojo da ascensão social de “certa gente”. Mortadelas (sobretudo a intelectualidade orgânica a soldo) não suportam a derrota da sua visão de mundo.
O pensamento coxinha compõe a trajetória social do Brasil: é excludente hoje como sempre o foi. A coxinhice histórica produziu as favelas, os alagados, as paliçadas, as periferias, os morros, os boias-frias, os sem-terra, os sem-teto. A nossa insaciável classe dominante engendrou um “modo” social excludente.
A “lógica” mortadela é de vingança de classe. “Agora é a nossa vez”. Nisso, ávidos, se lambuzaram. A mortadelice (ou a petralhice), no governo, institucionalizou a corrupção como política de Estado. O petralhismo foi levado às barras dos tribunais, frequenta cadeias. Soçobrou, mas não se conforma.
Da coxinhice, sabe-se pela História. Da mortadelice, os mortadelas encobriram cada canalhice. Na resposta às coisas coxinhas e mortadelas postulo a universalidade das regras e a coerência das críticas. Exemplo: O impeachment de Dilma seria, para os mortadelas, um golpe. Acusam a imprensa de havê-lo articulado.
Ora, os mortadelas mesmo foram protagonistas do impeachment de Collor; basearam-se em reportagem da Veja. Os mortadelas pediram cinquenta vezes o impeachment de todos os presidentes da República pós-Ditadura. Só de FHC pediram-no três dúzias de vezes. Ninguém jamais aventou que era golpe.
Os mortadelas introduziram o impeachment na História recente da América Latina. Por que o impeachment não seria golpe quando interessa ao PT e como tal é havido quando dirigido contra uma presidenta petista? Como alguém se convence de que o PT está além de suas próprias medidas?
Agora, Temer indica Alexandre de Moraes para compor o STF. Mortadelas acusam-no de filiado ao PSDB. Edmundo de Arruda Lima, teórico e militante do Direito Alternativo: “Toffoli reprovou duas vezes para a magistratura. Alexandre de Moraes passou em primeiro lugar para o MP/SP, Um é PT, outro, PSDB”.
Segue: “Lula (que indicou Toffoli) foi mais inteligente que Temer, ou o contrário? Isso não os faz paradigma de nada”. Edmundo lembra que disso tudo resta algo positivo: Foram-se as ilusões. Pergunta se vamos criar outras (Facebook). Pensar, contudo, desimporta à lógica do fascismo mortadela.
Alexandre de Moraes tem as melhores credenciais para a ser ministro do STF. Bateria qualquer currículo. Comparando a indicação de Lula com a de Temer, é de se dizer: ao contrário de Dias Toffoli, falto de título acadêmico ou de obra jurídica relevante, Moraes é doutor (USP), livre-docente e autor de referência.
É recorrentemente citado nas cortes superiores, adotado nos melhores cursos de Direito, texto necessário em qualquer avaliação jurídica. Sua comemorada obra Direito Constitucional alcançou a 32ª edição. Juízes e promotores o estudaram quando buscaram aprovação em concursos. Não é nada pouco.
Não vejo Toffoli menor do que Moraes. Mas Moraes certamente não é menor do que nenhum dos oito ministros indicados pelo PT. Sobre ambos terem filiação partidária, penso que isso é currículo a ostentar. Sobre Moraes haver cumprido ilibadamente larga carreira política, anoto minha admiração.
Insulto suprindo argumento. Violenta impostura midiática. Fascismo. A autoconcedida autoridade mortadela para vetar o nome de Alexandre de Moraes é um embuste em contramão da vida democrática. O presidente indica, o Senado da República aprecia. É a lei e vale até que seja mudada.
Foi assim com Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma. Mudanças no processo, só por meios institucionais. Democracia é política, eleição, voto, legitimação, mandato. Filiar-se a um partido é digno (Toffoli, Moraes). Aos ressentidos de mídia e suas posturas jamais legitimadas, duas palavra: Fora fascistas.

Dona Marisa e os ódios em circulação

Certas coisas, por exigência de etiqueta social, são da esfera privada. Há passagens da vida que estão à parte do escrutínio público. Se não respeito um mínimo privado no outro, exponho a mim mesmo à devassa geral.
Não há civilização sem regras de conduta socialmente imperativas em momentos circunspectos para a existência. É do interesse público que dados acontecimentos particulares sejam considerados com cerimônia.
Claro, se a importância social das pessoas envolvidas em um episódio é destacada, as atitudes das gentes amontoadas cambam para o desvario. A morte de Dona Marisa liberou rancores reprimidos. Pôs ódios em circulação.
E não é coisa de uma banda só. Quem não tem interesse de “torcida” ou não é sicário de um ou outro desses grupos que estão ladrando, percebe que o desrespeito bravateiro vem de parte a parte e não é nada novo.
A coisa é política. Dona Marisa resume-se à condição de falecida esposa de Lula. A animosidade é a ele; a ele se dirige uma agressividade intolerante que lhe atropela até mesmo as exéquias da mulher morta.
Ao mesmo tempo, seus simpatizantes desrespeitam a morta, fazendo-a bandeira de uma alegada “perseguição” promovida pelas “classes dominantes”. Um mantra exculpador que o petismo larápio vem repetindo.
A morte de Dona Marisa decorreu de lesão cerebral da qual tinha ciência e cujo tratamento postergou. O mais de bobagens que se diga, vindo dos coxinhas é insulto à privacidade, vindo dos mortadelas é ofensa à inteligência.
Felizmente, os “acusados” pela ferocidade hater não a repetem: “O ex-presidente Lula disse ao presidente Temer que lamenta não ter conversado mais com seu antecessor no Planalto, Fernando Henrique Cardoso.
Temer fez um visita a Lula para prestar condolências diante da morte iminente da mulher do petista, Marisa Letícia. Lula agradeceu o gesto de Temer e disse que nunca mistura relação pessoal com divergência política.
Temer sorriu. Eles não haviam se encontrado desde que o peemedebista assumiu a Presidência. Visivelmente comovido com a iminência da morte de sua mulher, Lula elogiou a atitude de FHC, que o visitara antes.
Segundo o senador Cássio Cunha Lima (PSDB), Lula afirmou que a visita de FHC é ‘um exemplo pedagógico para os jovens’. O petista insistiu que as divergências políticas não podem impedir o diálogo”.
Infelizmente, mortadelas esganiçavam-se na porta do hospital. Depois da conversa, segue a matéria, “Lula foi informado que Temer fora chamado de “assassino” por um grupo de militantes petistas na chegada ao hospital.
Ele reclamou com amigos e disse que não gostaria de transformar o momento em um ‘espetáculo de intolerância’” (FSP, 04fev17, editado). Não teve nem terá sucesso. Não obstante sua vontade, seguem as baixarias.
À sua vez, antes dos ladridos rueiros, os mesmos modos, agora na versão coxinha, advindos então de médicos, canalhamente foram cometidos. É inconcebível o que disseram, o que fizeram. Foi uma desumanidade.
Mas cabe lembrar: Lula é o alvo circunstancial dos coxinhas. Durante a campanha presidencial Aécio Neves, caluniado sem limites, não foi menos vítima dos mortadelas. Dona Marisa, morta, é maltratada por todas as súcias.
Está um desatino. Um procurador de Justiça brinda-lhe o passamento. Ao juiz Moro se insulta, como se o magistrado fosse responsabilizável por presidir um processo que envolve partidários do viúvo e, já, de sua oposição.
O Brasil, com razão, vive injuriado com seus políticos. Formaram-se turmas de altercação. Numa “guerra de posição” midiática, partidos e pessoas estão às turras.
Isso até que é bom, atiça o interesse por política. Contudo, desavenças têm limites: “por mais profundas que sejam, discordâncias não podem atropelar respeito, educação e convivência social, aspectos desconsiderados durante a agonia da ex-primeira-dama.
A turma do ódio prestou um desserviço ao país em suas manifestações públicas nesse caso, que só não foi mais deplorável pela maturidade e sensatez demonstrada no gesto de líderes políticos mais experientes”.
Cito “Acima das Diferenças” (DC, 04fev17). Atuamos abaixo delas. À esquerda e à direita um miasma fascista ronda a nação. Nos insultamos. Não nos entendemos. A coexistência democrática carece de interlocução.

Gandra, retrocesso na civilização

República, conforme definição de dicionário: “Forma de governo na qual o povo é soberano, governando o Estado por meio de representantes investidos nas suas funções em poderes distintos” (Houaiss).
O “povo soberano” outorga um mandato ao seu representante, esperando que esse “contrato” conduza sua vontade aos Poderes. Os Poderes da República, portanto, seriam a expressão da vontade popular.
Em tese, está bem. E mesmo na prática alguma vontade popular chega aos Poderes. Entretanto, entre a vontade do cidadão e a realização dos seus interesses, muitas coisas incidem, umas visíveis, outras nem tanto.
No Brasil, tivemos uma quadra histórica nomeada República Velha: o povo votava, mas o voto do povo era a expressão do “seu” coronel. A estrutura coronelista de poder era a verdadeira consignação da “vontade geral”.
Nos últimos tempos, eleições são decorrência de marketing. Em linguagem de mercado, fazer propaganda significa apresentar as qualidades de um produto, seja de uma mercadoria, seja de uma proposta política.
Já, fazer marketing é traçar uma estratégia de adequação do produto às preferências de consumidores ou de eleitores, conhecidas por meio de pesquisas. Trabalha-se com a ideia de massa consumidora, não de cidadão.
Identificam-se as carências das multidões com métodos de prospecção de mercado e se formulam produtos ou discursos políticos de ocasião, ofertando-os como solução de interesse público. Eis a propaganda eleitoral.
Há outras incidências. A “máquina” governamental influencia eleitores “suscetíveis”, a guerra por redes sociais (as manipulações pós-verdadeiras), o sistema de corrupção cada vez mais sofisticado e abrangente etc.
A nossa corrupção já se categoriza em um terceiro ponto: ademais de ser pontual como tradicionalmente o foi e é; de ser instituída como política de Estado, como o lulopetismo a fez, ela tornou-se também empresarial.
A Odebrecht mantinha o Departamento de Operações Estruturadas, um setor da empresa que negociava com o Planalto e sustentava quadros de vários partidos. Investimento de bilhões, retornos incalculáveis.
No momento de esses dados virem a público, morre o ministro relator do processo que comporta a delação da indigitada empresa, supostamente bombástica. A vaga há de ser ocupada. Candidatos movimentam-se.
Pelos costumes, vagas no STF são preenchidas com demora e com cautela. Agora pode haver cautela; não pode haver demora. Tudo se promete para breve, mas o presidente Temer reservou-se uma condição.
Só manda um nome à sabatina do Senado após o STF escolher o substituto do falecido Teori na relatoria da Lava-Jato. Se Temer elege alguém antes disso, desacredita o processo e fica ele mesmo desacreditado.
O poder do presidente da República para indicar e do Senado para apreciar a indicação de ministros para o STF decorre de mandato recebido do povo para tanto, ainda que o povo, talvez, não saiba disso.
A liturgia da escolha é delicada; para a vaga de Teori é delicadíssima. O Planalto, com o presidente, ministros e parte da base aliada entre os delatados, não pode melindrar magistrados do STF, particularmente a presidenta.
Igualmente, uma indicação que desgoste a Sociedade debilitará ainda mais um governante já desgastado junto a boa parte da opinião pública. Nesse quadro triste, preocupa-me uma insidiosa candidatura.
Ives Gandra Filho mede a vida pelas referências da direita religiosa mais reacionária que este País abriga. Conforme seu pensamento, coerente com preceitos bíblicos que cumpre, o livro “sagrado” é a pauta do mundo.
Tratado de Direito Constitucional, Saraiva, 2012: “O princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”; “A mulher de obedecer e ser submissão ao marido”.
O Supremo, talvez com alguns erros, mas seguramente com muitos acertos, vem prestigiando valores laicos. Os republicanos lúcidos não se devem, imprudentemente, olvidar das consequências dessa indicação.
As mulheres, as feministas sobretudo, e os homens simpáticos à igualdade cível de gênero não se podem quedar silentes quando está em risco conquistas fundamentais para o Direito e para a Sociedade.
Como se atreve alguém a defender que a mulher deve subserviência conjugal ao marido? Como um petulante ousa propor que o fim de uma relação amorosa se deva mumificar dentro de um casamento formal vencido?
Os espíritos democráticos estão em obrigação. Um Poder da República está sob processo de escolha de um membro seu. Isso interessa a todos. Um retrocesso nos costumes será um retrocesso na Civilização.

Lamento, mas, ainda bem, foi acidente

O interesse popular pelo Judiciário é uma novidade importante. Era um Poder da República por demais à parte do conhecimento da população. Ainda o considero assim: parentético, autorreferente, corporativo. Desconhecido.
Há muito pouco tempo os luminares do mundo jurídico costumavam emprestar às decisões judiciais foro de sacralidade: “Sentença não se discute; cumpre-se”. Felizmente, já, sentenças são discutidas pelo Brasil inteiro.
Debatem-se até julgadores. Sabe-se sobre nomeações de ministros do Supremo, suspeita-se de suas tendências políticas; acusam-se juízes abertamente pelas redes sociais. Pouco se assunta sobre magistrados de comarca, contudo.
Os olhos do povo voltaram-se ao Judiciário em decorrência da transmissão televisa do Mensalão. Joaquim Barbosa o converteu em um fenômeno pop. Depois, assim permaneceu, devido à Lava-Jato, que submeteu políticos e ricos ladrões.
Com alguns excessos, mas com 96% de suas decisões confirmadas por cortes superiores, o juiz Moro deu seguimento a uma atuação judiciária inaudita até o Mensalão: gente “importante” foi levada ao banco dos réus.
Na medida em que o sentimento de desgosto com políticos passou a ser “vingado”, o Judiciário (ainda sob suspeita) obteve alguma graça popular. Afinal, juízes estariam moralizando a pátria corruptora e corrupta.
Nesse quadro, morre Teori Zavascki. Infeliz acidente. Deixou pendente a homologação de delações que relacionam malvados de todos os naipes. Malvados e poderosos. Dela, espera-se, virá o maior abalo das classes dirigentes.
Até os lulopetistas, tão acossados por tantas denúncias, sentenças e prisões, têm gosto de espera por essa lista, pois, com sua divulgação, finalmente, consubstanciar-se-ia o exculpatório “nós roubamos, mas os outros roubam também”.
Essa morte, essa situação, pois, haverá de ser conspiração. Como um acidente assim? Sem mais nem menos! Nós somos desse jeito: supersticiosos. Supersticiosos são conspiracionistas quando as coisas são mundanas.
Não acreditamos em aleatório. Mentalidade religiosa pede uma vontade causadora: ou coxinhas mataram o ministro porque haveria peessedebistas no rol, ou mortadelas o fizeram, porque petistas estavam lá novamente, e em maioria.
É tamanha a crendice que a ideia de que “não foi acidente” alastrou-se por 83% dos brasileiros. Só 15% de nós acreditamos em fatalidade. Os dados são do Instituto Paraná Pesquisa, publicados por Veja (http://migre.me/vUNIZ).
Bobagens! Ninguém dispõe de dado objetivo nenhum para formar convicção sobre qualquer coisa além do fato de que houve um lamentável desastre. Ou alguém, além da própria imaginação, teria um informe secreto?
Que se sabe? Há uma vaga no Supremo Tribunal Federal, dado o falecimento de um de seus ministros. Para essa vaga o presidente da República indicará um nome ilibado e de notório saber jurídico. O Senado apreciará a indicação.
E enquanto se aguarda a indicação do presidente bem como a sabatina e decisão dos senadores? Quais as hipóteses para o preenchimento da Relatoria da Lava-Jato, que era ocupada pelo ministro que faleceu?
Três hipóteses: uma, um ministro da Primeira Turma do STF pede transferência para a Segunda. Em acontecendo a transferência, o transferido dá seguimento aos trabalhos de Teori. Havendo disputa, o mais antigo terá preferência.
Duas: a presidenta do STF, Cármen Lúcia, redistribui o processo. Deveria fazê-lo para um ministro da Segunda Turma e, nela, para Celso de Melo. Trata-se do decano do STF e era revisor de Teori na Lava-Jato. Conhece o feito, pois.
Três: a vaga fica em aberto e a Lava-Jato não é redistribuída. O andamento do processo fica prejudicado, atrasa. Mas não vejo hipótese de sumiço de lista, de retrocesso grave, de coisas “conspiracionais”.
A Lava-Jato já se internacionalizou. É a maior investigação criminosa que está em andamento no mundo. Ainda que alguns dados dela necessitem de homologação para ser divulgados, não são coisa secreta, “sumíveis”.
O Ministério Público e o Juízo de Curitiba detêm o conteúdo da delação referida. E o Brasil tem um fantástico instituto jurídico: o do vazamento. A tal lista é objeto de interesse geral. Nós a conheceremos, por bem ou por mal.

Facebook, controvérsias sobre o amor

Do Facebook, edito diálogo ocorrido em Masculino. Cristiane Dandolini Pickler publica: “Sobre os relacionamentos, o amor… Parece-me que o capitalismo também o tomou. Jorge Luis Borges: ‘O amor é amizade e sexualidade. Para que o amor seja duradouro é necessário uma conversa contínua, uma troca de duas vozes sempre redescobrindo a si mesmas. Não é um contato. Na atualidade o amor quer liberdade tipo: ‘Você me agrada, ficamos juntos, você me cansa, eu o dispenso. Experimentamos o outro como um produto’. [Hoje], o amor é uma aventura de que não queremos nos privar, mas com a condição de que ela não nos prive de nenhuma outra”.

Marlusa Tonial: “Muito pertinente. É o perigoso caráter utilitário que as coisas vêm tomando. Acredito que isso não serve para relacionamentos, amores, amizades”. Cristiane: “O amor (não o romântico, mas o citado) exige reciprocidade, não só porque declarar o amor significa uma demanda, mas também porque aponta que, no outro, algo faz com que ele seja amado. Muitos preferem viver isolados, com seus sintomas, a se lançarem ao outro, com medo de serem apenas desejados, admirados, e não verdadeiramente amados. Desejo satisfeito, descartado…”.

Rui Coelho: “Interessante… Estava pensando: Estará sendo dispensado o amor, priorizando-se a ‘zona de conforto’ da individualidade?”. Provoco: “Ainda bem. Já pensou se o amor continuasse como um arranjo de família católica medieval?”. Tania Abreu: “O amor […] toma a vida, o sexo, os sentimentos por inteiro. Nada mais falta. Já relacionamentos, esses têm espaço para muitos; a individualidade fica preservada e os sentimentos são contidos. É o comum de se encontrar. O amor anda raro”. Manifesto-me: “O amor monogâmico, disciplinador, sim. O amor demarcado pelo concílio de Trento ditou essa forma irreal, e desde então as pessoas submetem-se a ela, até acontecer a sua ‘naturalização’. Isso é uma disciplina, não é um afeto”.

Lucas O. Alves: “Gostei da tua provocação. Em perspectiva histórica, nunca houve momento tão progressista no tocante às liberdades individuais e possibilidades de enlaçamentos afetivos. Isto não necessariamente rebaixa o nível do amor, apenas torna suas formas mais plurais. Contudo, classificar qualquer experiência de gozo como ‘amor’ tem sido algo rotineiro na sociedade contemporânea (algo que Bauman discutiu em amor líquido), possivelmente gerando sintomas individuais e sociais como a angústia e o descomprometimento ético”. Cristiane: “Angústia, descomprometimento ético, desrespeito, objetificação do outro… Concorda? Afinal, também somos resultado da cultura. Vivemos em sociedade. Adaptar-se não é aceitar”. Lucas: “Concordo. Só temos que tomar cuidado para, com esta crítica, não fomentar discursos conservadores que pregam o retorno a antigos valores. O amor sofre o efeito do significante e só faz sentido nas interações culturais. É um valor mutável, com variância histórica e individual”. Cristiane: “Discursos conservadores, retorno de valores antigos… Mas o outro objetificado, produto descartável nos discursos, relacionamento modernos… Preocupa, assusta”. Respondo a Lucas e Cristiane: Desejo com comprometimento ético? Ora, desejo é conteúdo essencial. Ética é circunstancial, ideológica. Cultura pede castração (não sou o dono do mundo), mas não pede disciplina, submissão às instituições. A sociedade precisa de democracia, vida plural, aberta. Isso conflita com a institucionalização dos desejos. Menos concílio de Trento, mais Maio de 1968”. Lucas: “A moral é ideológica; a ética é circunstancial e humana, assim como o desejo. O comprometimento ético com o outro é necessário para interditar o gozo. Sem ele, o outro não pode ser reconhecido como um outro do laço social ou um outro enquanto objeto de desejo, mas apenas como objeto de gozo, reificado para consumo e satisfação imediata. E quanto a Maio de 68? Sim, precisamos de mais. Urgentemente! Concílio de Trento significa a retenção do desejo; Maio de 68, a sua democratização”.

Divirjo de Lucas: “Moral é pressão social; ética é deliberação de foro pessoal. Ambas são ideológicas. E, sim, há que existir comprometimento, mas qual? O fundado na tradição católica? O libertário de 68? Um que seja eleito entre as partes interessadas? E se me falam em sociedade: Que preceitos me alcançarão? Eu os polemizarei, ou os acatarei obedientemente? A reificação aludida, a coisificação, é não compreender que se não faço escolhas, sou coisa produzida. Há que se interditar (castrar) o gozo que objetifica, mas eu me interdito. Se me deixo interditar pelos costumes, alieno-me. Aí eu não estaria respeitando o outro, mas acatando normas sistemáticas”. Lucas reitera que “o comprometimento entre as partes deve prevalecer”. Retomo: “Comprometimento derivado da vontade das partes, interveniência dos envolvidos sobre a relação. Não é o comum. As pessoas se ajustam às molduras da sociedade. Não exercem vontade; obedecem. Servidão voluntária (La Boétie). Os voluntários da obediência ‘gozam’ as circunstâncias que os acachapam. Submetem seu gozo à disciplina, sem diferenciar contenção civilizatória de disciplina institucional”. Lucas citou Bauman, pensador da modernidade líquida: certezas e relações tornam-se fluidas, instáveis. Reitero: assim é melhor. A antiguidade era sólida em decorrência de violência institucional sobre as pessoas. Para ficarmos no amor: era submetido à vontade do patriarca, da igreja católica, do Estado, que prescreviam conteúdo e forma, vigiando e punindo desvios. Borges e Bauman defenderam as formas passadas. Divirjo. Penso no enlace amoroso. Antes: papéis, proclamas, cerimônias. O Estado fiscalizava casamento e separação. A juventude pratica outros caminhos: declara-se em compromisso sério pelo Facebook. Quando acaba o gosto, o afeto, o amor, cada qual sensatamente se vai. E a vida continua. Livre, leve e solta. Ainda bem.

Caixa dois, valeu o susto, não valerá a lei

Todo candidato, por força de lei, deve abrir uma conta especial, independente da conta do partido a que pertença, para receber doações, mesmo que realizadas por si próprio, e somente dessa conta (caixa um) devem sair valores destinados a gastos com sua campanha.
Todo e qualquer outro valor que o candidato receba, de si mesmo ou de terceiro, a qualquer título, de qualquer forma, e que seja destinado à sua campanha, é caixa dois. Assim, em exemplo simples: se um grupo de amigos paga, sem que o dinheiro passe pelo caixa um, os gastos de uma reunião à qual o candidato comparece com fins de fazer campanha, temos caixa dois típico. Como se vê, recursos de caixa dois não implicam necessariamente corrupção.
Modalidades de corrupção previstas (tipificadas) no Código Penal: Passiva: Art.317 – “Solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”; Ativa: Art. 333 – “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
Modalidade de Corrupção prevista no Código Eleitoral: Art. 299 – “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.
Quando os recursos do caixa dois de um político candidato podem ser considerados, na forma da lei, corrupção? Quando obtidos de forma ofensiva ao Art. 317 do Código Penal, ou quando usados para as finalidades vetadas pelo Art. 299 do Código Eleitoral. Fora disso o caixa dois não pode ser caracterizado como corrupção.
Aqui, parenteticamente: muitos correligionários do lulopetismo acusam a operação lava-jato de processar apenas parte de quem recebeu dinheiro suspeito, sem talvez querer compreender um aspecto: o processo comandado por Sérgio Moro investiga apenas corrupção. O que isso quer dizer?
Como corrupção penal é crime típico de funcionário ou agente político, só a pratica ou praticou quem é ou foi governo. Em decorrência, o processo caminha na direção em que as delações, as provas etc apontem governantes ou ex-governantes que tenham praticado corrupção tipificada, e não na direção de quem tenha praticado caixa dois.
Quem não compõe ou não compôs algum governo, pois, mas praticou caixa dois, está inocentado de crime? Não está. Ainda que somente praticantes de caixa dois com dinheiro oriundo de corrupção sejam passíveis de serem réus na lava-jato, os demais praticantes de caixa dois podem ser inocentes de corrupção, mas são suscetíveis de enquadramento em outros crimes, a saber:
Falsidade Ideológica: Art. 350 do Código Eleitoral – “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. Seja: se o candidato omitiu-se de declarar valores recebidos para fins eleitorais em sua conta legal (caixa um), agiu com ilicitude criminosa, tenha o dinheiro advindo de corrupção ou de fonte lícita.
Abuso de Poder Econômico: Lei Eleitoral, Art. 22, 3º – “O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado”. Aliás, é com base neste artigo que se processa o combo Dilma-Temer no TSE, buscando-se a anulação da eleição da chapa ptpmdbista.
Abuso de Poder Político: Lei Eleitoral, Art. 73 – “São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Arroladas em longa lista, as condutas são vetadas com o intento de obstaculizar o uso abusivo da “máquina’’, seja, dos recursos do poder público.
Por sobre tudo isso, o candidato pode incorrer no crime de Lavagem de Dinheiro se, sabendo da sua origem, praticar atos que dissimulem ou escondam sua natureza ilegal, como é o caso de receber dinheiro no exterior e fazê-lo ingressar ilegalmente no Brasil, usando-o em caixa dois.
Bem, o País se está deparando com tudo isso. As coisas, todas já sabidas, se estão explicitando. Muitos políticos chegam mesmo, quando flagrados com verbas sem origem declarada, a negar corrupção e confessar caixa dois como argumento de defesa. O alastramento da prática é tal que se pretende considerá-la legitimada pelos costumes, que seriam, afinal, uma das fontes do Direito.
Ora, dinheiro define eleição muito mais do que a vontade soberana dos sufragistas honestos (a desonestidade dos eleitores é outro extenso capítulo da história da corrupção brasileira). A corrupção eleitoral desmoraliza a ideia de república. As relações de poder público tornam-se compra e venda de votos, esvaindo-se o sentido de democracia política.
O impacto das revelações que as delações premiadas estão provocando pôs as classes dominantes em polvorosa. Coxinhas e mortadelas talvez não saibam, mas seus guias espirituais estão em conchavos para salvar a própria pele. A tradição conciliatória das classes dominantes está em exercício. Os chefes bem provavelmente vão se acertar: corrupções e enriquecimentos ilícitos serão punidos exemplarmente; caixa dois será relativizado: a prática será mais velada no futuro e o que aconteceu no passado se relevará. Sairá o acórdão de um acordão. Sobre todos valeu o susto. Não creio que sobre todos valerá a lei.

Temer fora do seu tempo e do seu papel, mas…

O recusa do impeachment de Dilma não era solução possível; o seu afastamento não está solução suficiente. Desmanchou-se um combo de muitos suspeitos, mas parte dele ainda governa. Edito Marcus Fabiano: “Temer é um resíduo natural do cleptopetismo. Seguindo Dilma, que entregou o penhor do FGTS à agiotagem, ele simplesmente libera o saque das contas dos desempregados e endividados. Promove assim a limpeza da poupança de natureza securitária dos mais pobres, deixando intactos os bancos e os juros. É exatamente o projeto da chapa Dilma-Temer, rumo à lata de lixo da História, com a tarja ‘não reciclável’”.Esvaziado de legitimidade pessoal, esvazia, com descuidados, a legitimidade que lhe resta da dignidade da Presidência: “Surpreendido por um turbilhão de críticas e deboches, o governo Temer cancelou a licitação para compra de produtos de luxo e com preços acima do mercado para os passageiros do avião presidencial em 2017. Em meio à crise política, é um desgaste a mais para a sua imagem. De 2009 até agora esse tipo de compra era feita sem licitação, o que é ainda pior”.Enquanto o governo corta benefícios de famílias de baixa renda, o Palácio do Planalto previa a compra de 500 potes de sorvete Häggen-Dazs, 5000 cápsulas de café, entre outros quitutes. É claro que não pega bem. Quando se fala em austeridade, os cortes devem alcançar do teto de gastos aos privilégios das autoridades. No valor de R$1,75 milhão, esse cardápio é o retrato dos maus hábitos do poder público. Durante muito tempo, integrantes de diferentes poderes se acostumaram a gastar sem limites, beneficiando-se de luxos financiados com dinheiro do cidadão. Hoje, quem paga a conta não aceita esses abusos” (Carolina Bahia, DC, 28dez16, ed.).Também nessas ostentações Temer repete Dilma: “A vaidade tem seu preço. E cada vez mais alto, mostra a evolução dos gastos para arrumar o cabelo e maquiar a presidente Rousseff para suas aparições em rede nacional de TV.” Em 14 pronunciamentos, preparar o visual presidencial variou de R$400 a R$3.125. Aumento de 681% (Fernanda Odilla e Filipe Coutinho (FSP, 26jun13).É velho costume governantes lambuzam labuzarem-se em mordomias. Mas agora as pessoas estão com raiva. Em contexto de rancor advindo do aperto doméstico decorrente de má administração pública, não é sensato explicitar faustos. O grave desse refestelamento, todavia, passa ao largo do pregão para convescotes.Vinícius Torres Freire (FSP, 29dez16, ed.) explicita: “Cortar regalias de parte do alto funcionalismo talvez ajudasse a acabar com a ideia de que, em vez de entrar no serviço público, essa gente ganhou um título de nobreza jeca, meio caminho andado para se comportar como casta, se dar salários acima do teto e coisas piores”.Mas adverte: “O salário fora da lei de uns cinco juízes e procuradores paga a conta anual da comida do avião do presidente, que suscitou escândalos e cafonices demagógicas. É esnobismo? Vamos acabar com os carros oficiais de políticos e juízes. Não rende muito, mas tem um sentido. Note-se: apenas o déficit federal deste ano deve ser de R$167,7 bilhões. A despesa total de R$1,25 trilhão (meio trilhão só de Previdência, INSS). O salário além do teto de juízes e procuradores custa mais de bilhão por ano. Basta bater o olho no Orçamento para achar coisa esquisita”.Por fim: “Então fale-se de coisa séria, não dessa fofoca de quem se comporta no debate público como quem faz chacrinha em rede social. Trate-se das tragédias da Previdência, dos Estados, de outros desarranjos enormes do setor público e desigualdades no setor privado.” Seja: vamos ao que interessa.De fato, por quatro motivos, o afastamento de Dilma não foi medida suficiente: Temer não conversa lealmente com o Brasil; nos seus equívocos, mostra-se fora do seu tempo, agindo como um político antiquado; desconsidera o efeito simbólico dos gestos de um Presidente; não se compenetra no papel de governante transitório.Michel Temer é articulado, tem apoio do Congresso. Aplicar-se nas reformas necessárias ao País, tão já sabidas por quem distingue princípios de organização política e de administração pública, isso o inscreveria dignamente na história.

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