terça-feira, 16 abril , 2024
Início Autores Postagens por Léo Rosa de Andrade

Léo Rosa de Andrade

E depois das prisões?

No senso comum, lei é “a prescrição escrita que emana da autoridade soberana de uma dada sociedade e impõe a todos os indivíduos a obrigação de submeter-se a ela sob pena de sanções” (Houaiss).

Ainda conforme o dicionário, moral: “conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada” (Aurélio).

Seguindo, ética. Há dois conceitos distintos para ética: um, como ciência que estuda a moral: “…investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano…” (Houaiss).

Dois, ética como juízo de apreciação referente à própria conduta, ou de um grupo social a que se pertença, considerando os valores declarados. Seja: avaliação de si por si diante da tábua de valores professada.

É claro que a produção das leis decorre de grande variação de interesses comumente não confessados. E depois de produzida, no Brasil particularmente, a lei não se oferece como certeza simples ao entendimento.

Mas, de toda forma, conseguimos formar opinião crítica e medir as consequências da desobediência às normas. Todos temos noção de que o Estado pode nos alcançar e nos punir se fugimos da legalidade.

Já, diante de questões morais nos complicamos um pouco. Não percebemos a materialidade da moral, não fazemos contas sobre ela, mas valoramos os fatos a partir da moral circulante que nos alcança e constitui.

Toda moral pertence a uma coletividade; não existe moral individual. Desobediências morais não sofrem castigos estatais, mas constrangimentos advindos de famílias, grupos, ou de parcela significativa da Sociedade.

A moral é acachapante, mas não é universal. Não obstante a presença de importantes exortações e interdições valorativas em qualquer realidade social, sempre há margem para a circulação de variações morais.

A moral, todavia, não é relativa. Para um indivíduo ou grupo, a moral vigente deve viger com caráter de universalidade. Se alguém relativiza as regras de conduta que considera válidas, age com imoralidade.

Então, um problema ético: Como devo atuar diante de mim mesmo, considerando minhas medidas? Tenho licença para descumprir meus próprios valores declarados por conveniência própria ou de meu grupo?

A lei tem caráter impositivo; se a traio, o Estado me castiga. A moral me coage; se a abjuro, a Sociedade me penitencia. Eu, diante de mim mesmo, se arranjo pretextos para me por incoerente, estou aético.

Em sociedade, minha responsabilidade para comigo extrapola de mim, pois meus atos têm efeito para fora de meu foro. No Brasil, parece, relaxamos a consistência moral e nos permitimos uma postura ética flexível.

Estamos em flagrante corrupção. Havidas mais ou menos contrafações no passado, jamais se explicitaram tantas práticas corruptas como hoje. Quanto à agressão à lei e à moralidade pública, todos estão acordes.

Entretanto, interesseiros desonestos fazem ginástica ética para se justificar e justificar seus corruptos prediletos. Alargam as margens de manobra para aprovar os seus, a ponto de traírem-se inteiramente.

Kant jamais teria sucesso em nos pedir observação ao seu imperativo categórico: “Age sempre de acordo com uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se converta em lei universal”. Não somos assim.

Preferimos política de afetos. Criamos uma moral permissiva conduzida por uma ética de compadrio. Somos relativos: a lei vale para o meu inimigo; a moral discursada não se aplica a mim ou aos meus.

Bem, ou seguimos com isso, ou nos voltamos para nós mesmos em reflexão honesta de juízo íntimo. O que em nós queremos recusar? O que de nós queremos aproveitar? Que vida social queremos construir?

Ao poupar os nossos, cometemos traição ética. Ao contorcer fatos, ludibriamos a moral. Extraordinariamente, estamos nos nivelando pela lei. Com alguns excessos, mas com aplicação bastante geral.

Isso não me soa de todo bom, pois não estamos nos cuidando como Sociedade, nem moral, nem eticamente. Estamos sob prescrições legais e cadeia. Nos regozijamos com os castigos dos políticos. Só.

E depois das prisões? Confiram-se as pesquisas eleitorais: muitos políticos bem indicados são mais que meros suspeitos. Ah, claro, são os “nossos” suspeitos, então tudo bem. E começa tudo outra vez.

Meu canalha é menos pior do que o teu

Há quem raciocine fundado nas brevidades que os slogans oferecem. No lugar de um argumento e seus fundamentos, sai um bordão. O bordão é uma expressão concisa que não induz nem deduz, mas constitui uma opinião.

Um slogan “mioja” o enredamento da boa cozinha, reduz a complexidade das coisas. Um ícone da corrupção brasileira, Adhemar de Barros, estabeleceu-se no nosso folclore político com uma marca: “Rouba, mas faz”.

Esse era o bordão de seus defendentes, o argumento de seus cabos eleitorais, o mote moral de seus eleitores. Esse deboche da moral pública é o pretexto cínico do correligionário que protege o indefensável.

Um pequeno salafrário, quando justifica para si mesmo um estado de salafrarice acima do seu alcance, lança mão de uma apaziguadora razão cínica: O meu canalha é canalha, sim, mas é menos canalha do que o teu.

Em tempos de internet slogans proliferam-se como memes. Formas meméticas: viralização das reduções de acontecimentos ao alcance popular; popularizão da edição dos conteúdos; descomplexificação dos fatos.

Desconfio da popularidade induzida. “A ideia de meme pode ser resumida por tudo aquilo que é copiado ou imitado e se espalha (eu diria: é espalhado) com rapidez entre as pessoas” (http://migre.me/wEEfS).

El País (19mai17): “Memes, a única instituição funcionando plenamente no Brasil”. Estaria bem, se ironizássemos a nós mesmos diante da nossa situação ordinária. São memes irônicos investidos em cínica guerra.

Uma quadrilha nos governava e nos governa. Assaltaram-nos o erário e colocaram o alto escalão da República na folha de pagamento de empresas. Nos roubavam e nos roubam; pagavam-se e se pagam para nos roubar.

Os cúmplices do combo de assaltantes da Pátria desorganizaram-se. Desacertaram-se. Sectários de cada parte do bando atribuem-se reciprocamente culpas. Sequazes e seus ladrões prediletos. Slogans, memes, incoerência.

A JBS denuncia Temer. Certo, é de acreditar, então, “fora Temer”. A mesma crível JBS denuncia Lula e Dilma, dizendo em delação premiada que abriu conta no exterior para favorecê-los. Não seria o caso de “fora Lula”?

Vazou gravação do envolvimento supostamente criminoso de Dilma obstaculizando a Justiça ao nomear delivery Lula ministro. Judiciário criminoso, foi gritado. Certo. Não é permitido que provas escorreguem dos autos.

Vazou o envolvimento supostamente criminoso de Temer. A Nação para estarrecida. De fato, é acontecimento estarrecedor. Mas, quanto ao reclame de vazar? Não vejo quem impute vazadura criminosa ao Judiciário.

A grande mídia e o Judiciário mancomunaram-se para noticiar seletivamente a ladroeira lulopetista, dizem os sectários dessa parte da quadrilha. E agora? A grande mídia e o Judiciário vazaram Temer. Que dizeres haverá?

Agora a Ordem dos Advogados do Brasil pedirá o impeachment de Temer. A OAB é, pois, golpista? Depende, dirá a torcida de uma parte: quando pede o de Temer, está correta; já no caso de Dilma, claro, foi golpe.

Cinicamente, indignação selecionada: odeio quem denuncia o meu ladrão, quem vaza os atos do meu criminoso, quem noticia as calhordices dos trânsfugas que aprecio. O meu corrupto é menos desonesto que o teu.

Trânsfuga: “aquele que renega seus princípios, que se descuida de seus deveres” (Houaiss). Eu diria: trânsfuga político é quem trai o comprometimento do seu mandato. O trânsfuga desmoraliza a ideia de política.

O Brasil é espoliado por uma elite que não se impõe limite. Politicamente, essa direita arrivista nada deve. Ela jamais se comprometeu a mais do que é, jamais discursou noutra direção. Ela desconhece convivência pública.

A questão que importa é a esquerda. Claro, há que se dar desconto: não se pode cobrar o discurso eleitoral, que nunca fala da realidade. Refiro a renegação de princípios, da traição da honestidade esperada.

Se a esquerda era (e é) a saída, ela não pode trair a si mesma, pois trai a credibilidade da política como meio de transformação social. Seja: se a esquerda vem pra fazer o que a direita fazia, qual o sentido da mudança?

Tenho ouvido a resposta cínica: o meu corrupto teve mais preocupação social. É uma alegação adhemarista de conveniência, só. Não subsiste como teoria política nem é eficiente como realização de igualdade econômica.

O desinformado, ainda que se tenha por sagaz, desentende que compromissos de corrupção, ainda que de esquerda, enriquecem a direita e criam mais distanciamento social. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil.

O Facebook e o negócio da emoção

Dados de novembro de 2016: o Facebook atingiu o número de 1,8 bilhão de usuários ativos (desses, 1,2 bilhão usa o aplicativo da rede social para celulares). Outros aplicativos do grupo continuam a ganhar novos usuários.

Tanto o WhatsApp quanto o Facebook Messenger já ultrapassaram a marca de 1 bilhão de utentes em operação, enquanto o Instagram, em crescimento, conta com mais de 500 milhões (http://migre.me/wzJnt).

Não se podem simplesmente adicionar os números pensando em pessoas, porque grande parte delas divide-se entre mais de um aplicativo, mas somam-se usuários, que atingem a impressionante contagem de 4,5 bilhões.

Correlacionando: o mundo tem pouco mais de 7 bilhões de habitantes. Adultos e jovens são 62%, ou seja, 4,3 bilhões. Não fica difícil imaginar o alcance que os aplicativos de Mark Zuckerberg têm sobre a população do planeta.

Ainda que haja esforço de restrição em alguns países, a tecnologia disponível permite que se driblem autoridades dispostas a aplicar na censura. O mundo, pois, busca o Facebook, alcança-o, usa-o. E se expõe a ele.

Tudo isso é negócio: O lucro e a receita trimestral do Facebook superaram as estimativas de Wall Street. A receita total subiu 59,2% para US$ 6,44 bilhões, ante a projeção de US$ 6 bilhões (http://migre.me/wzK8b).

Esse é um relatório do lado dos acionistas: do seu sucesso, dos seus lucros. É coisa lá deles com eles mesmos. Preocupa-me a banda em que se situam os usuários, neles incluídos, com muito gosto, eu mesmo.

Não me situo entre os que deploram as fragilidades dos laços da sociedade líquida, da qual o Facebook seria o alegado melhor exemplo. E nem penso que o Facebook liquidifique o mundo. Bem ao contrário:

Casais que se formam no mundo digital podem ser mais felizes que aqueles que se conhecem por outros meios, conforme pesquisa americana publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Conforme consulta em universo que incluiu 19.131 pessoas que se casaram entre 2005 e 2012, mais de 30% delas havia começado o namoro online (22% no trabalho; 19% via amigos; 9% em bar ou casa noturna; 4% igreja).

Foram analisados quantos casais se divorciaram ao final do período da pesquisa: 5,96% dos que oficializaram a relação após terem se conhecido pela internet, contra 7,67 das duplas casadas offline (http://migre.me/wzNLE).

Seguramente, o Facebook mudou a dinâmica da vida. Por um lado permitiu maldades como a sistematização de mentiras tornadas críveis (pós-verdades), levando à manipulação da opinião pública. Mas penso noutra manipulação.

Lembro de Galbraith, A Cultura do Contentamento, 1992: sustentava que as crenças e interesses de grupos privilegiados dão sustentação às ideias sociais relevantes e acabam perpetuando a própria cultura que as origina.

Atualmente, os algoritmos do Facebook selecionam classes semelhantes de pessoas, por suas crenças, interesses etc, e dão um jeito de pô-las em relação. Elas acabam vendo-se, sabendo-se, curtindo-se, talvez encontrando-se.

São bolhas ensimesmadas, autorreferentes, permitindo trânsito por compatibilidade e afinidades ideológicas. Juntaram-se os compatibilizados. Agora, a próxima meta parece ser o estado emocional dos jovens:

“Documentos vazados da sede do Facebook na Austrália mostram, segundo o jornal The Australian, que a rede social se aproveita da vulnerabilidade emocional de jovens para promover determinado tipo de publicidade.

Algoritmos determinam ‘momentos em que precisam de aumento de confiança’. Identificam quando um jovem se sente ‘estressado’, ‘derrotado’, ‘sobrecarregado’, ‘ansiosos’, ‘nervoso’, ‘estúpido’, ‘bobo’, ‘inútil’ e um ‘fracasso’.

A apresentação seria destinada a um banco da Austrália. Questionado, o Facebook enviou primeiro um pedido de desculpas formal, dizendo que estava abrindo investigação para entender a falha.

No entanto, a rede social mudou o tom ao descrever a reportagem como ‘enganosa’ e negou que ofereça ferramentas para escolher o público-alvo de anúncios com base em estado emocional” (FSP, 02mai17, editado).

Não sei. Importa dizer que sentimentos já são conversíveis em insumo da mercadoria informação. O que se curte ou se repudia no Facebook, pois, não é conceito, mas dado comerciável. Melhor se emocionar sem muita emoção.

Corrupção, o estado da coisa, o voto

Corrupção é um pouco mais grave do que embolsar dinheiro do erário. A apropriação ilegal de recursos públicos, vista apenas como a transferência de valores do cofre da República para o caixa pessoal, não diz tudo.

As modalidades tipificadas como corrupção são duas: Corrupção ativa, Art. 333 do Código Penal: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

Corrupção passiva, Art. 317 do Código Penal: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Esses tipos não abarcam a dimensão dos danos que daí se desdobram. A corrupção, ademais da oferta e solicitação de vantagens indevidas é uma prática de intermediar interesses que desvirtua completamente a vida pública.

Institucionalmente, vale recordar o que ficou conhecido como mensalão. Se coubesse um conceito, poder-se-ia assim expressá-lo: mesada paga a deputados para votarem a favor de projetos do interesse do Executivo.

Dependendo de oferta ou de solicitação da mesada, tivemos corrupção ativa ou passiva. Mas esse modo corrupto de agir ativamente ou passivamente capturava a ideia de República, invalidava mesmo os Poderes.

A promiscuidade entre Legislativo e Executivo já é, em si, um problema. A função fiscalizadora do Legislativo anula-se quando seus representantes passam a desempenhar, mantendo mandatos, funções no Executivo.

Agora, se o Executivo enlaça significativa parte do Legislativo, ademais de oferendo cargos, mantendo legisladores sob paga mensal, abolem-se não só as funções de um Poder, mas o Poder mesmo, e, daí, a concepção de República.

Passado o mensalão, estamos às voltas com ilegalidades que alcançam a Democracia no seu valor intrínseco. A chapa vitoriosa das últimas eleições presidenciais está sob julgamento. E sob julgamento, parece, atravessará o mandato.

Da dupla Dilma-Temer, resta o reserva. Temer governa sob o risco de um despacho, sob o temor de uma sentença, sob pendência dos gestos do Judiciário. O interesse pela procrastinação do processo, aliás, é do PT e do PMDB.

Edito Carolina Bahia (DC, 03abr17): “Serão discutidas questões preliminares nas quais as defesas pedem mais prazo. Caso não haja sucesso, um pedido de vista amigo de qualquer ministro suspende os trabalhos por tempo indeterminado.

Com os indícios de que a campanha recebeu em recursos irregulares, será necessária uma ginástica jurídica para absolver a chapa. Com a credibilidade do TSE em jogo, trabalha-se mesmo para adiar o fim do caso”.

“A perspectiva maior é de procrastinação do julgamento e de apresentação de tantos recursos, inclusive ao STF, que dificilmente a sentença conclusiva sairá antes do final do mandato do atual presidente” (DC, 04abr17, editado).

Por fim, a lista de Janot: Procurador da República pediu ao STF abertura de inquérito contra 83 pessoas com foro privilegiado e encaminhamento de ações contra 221 suspeitos de corrupção a diferentes instâncias da Justiça.

Executivo aos percalços e o Legislativo paralisado à espera da lista. O Judiciário ocupado nos afazeres relativos. O julgamento de tudo isso é coisa de anos. Além dos tribunais de Brasília, investigações em 20 Estados e no DF.

Envolvidos, até agora, 39 deputados federais; 24 senadores; 8 ministros; 3 governadores; 2 prefeitos; 1 ministro do TCU; 1 secretário estadual; 21 outros. Há prevalência do PT e coligados, mas é uma lista ecumênica.

Bem visto, é pouca gente, considerando o número total de políticos. Acontece que os nomes relacionados são centrais nas instâncias de poder. São o núcleo dos governos Lula, Dilma e Temer. São o centro da combalida República.

Como administrar a coisa pública com eficácia? Como cuidar do interesse público e dos oficiais de Justiça ao mesmo tempo? Como gerir competentemente as demandas da população com a perspectiva da cadeia?

Pensando em gerência, é inviável governar sob o medo do encarceramento. Nossos políticos mais destacados estão travados, enlaçados nos seus próprios atos, e junto com eles estão desmoralizando a ideia de Política.

Refletindo sobre dinheiro, roubaram bilhões: deram um tantinho aos pobres; carrearam demais aos ricos; tomaram fortunas para si. Claro, falta verba. A política continua. Vamos ver em quem o povo vai votar.

A falsa “sem partido” neutralidade, o STF

A controvérsia entre a razão neutra e a fala contaminada por afetos mais erudita de que se pode dispor na tradição filosófica ocidental é aquela que Nietzsche estabelece com Schopenhauer. Este propôs que a melhor apreensão da realidade seria a do observador desinteressado e desvestido de afetos. Aquele contraditou, seja porque descria em abstenção de interesse, seja porque não concebia o asseio afetivo.
Dada a nossa “natureza” interessada e afetiva, a melhor captura dos fatos nasceria da controvérsia. O embate com manifestações claras de interesses e a exposição apaixonada de ideias apura concepções e explica acontecimentos com muito mais objetividade do que as conclusões nascidas de uma idealizada pureza de posição.
A história do Ocidente comportou momentos de discussão e teve o milênio e meio de pensamento único instituído pelo catolicismo que se fez hegemônico com o imperador romano Constantino só sofrendo baque relevante na Revolução Francesa. Nos países de tradição ibérica, pouco alcançados pelo Iluminismo francês ou o Liberalismo estadunidense, perdurou a compreensão católica de mundo.
Nessas terras em que o catolicismo foi e ainda, em muitos cantos, perdura como obrigação constitucional, famílias patriarcais, escolas, sistemas de apoio social etc. são aparelhos ideológicos reprodutores de seus interesses. O sistema educacional foi dominado por essa ideologia, ou, na linguagem que a direita política quer, por esse partido. Escolas públicas e privadas brasileiras incluem-se no sistema de reprodução do modo religioso de compreender os fatos, a história, a vida.
A coisa sofreu reveses importantes a partir do surgimento das Humanidades. Desde que as ciências humanas e sociais passaram a compor as grades das disciplinas universitárias, outras óticas explicativas da existência pessoal e da convivência pública passaram a circular entre nós.
Como a direita política brasileira é troglodita e, regra geral, ignora os pensadores (os filósofos, sobretudo), ficou sem discurso de sustentação do seu conservadorismo. A maior parte da juventude universitária, “vítima” do que os reacionários denominam “marxismo cultural” tornou-se tendente à esquerda.
Essa cultura adversa ao pensamento conservador e religioso cresceu nos anos da Ditadura de 1964. Lá quando as universidades contavam com professores e alunos aliados contra os milicos, plantavam-se no universo acadêmico concepções materialistas do mundo. O pensamento único foi controvertido.
A direita permaneceu o que sempre foi. À esquerda há lutas importantes, democracia, direitos sociais, mas também ingenuidade, demagogia, stalinismo, ladroagem, religiosidade etc. À esquerda estão professores críticos do que se chama difusamente de sistema. A direita quer neutralizar o discurso crítico, considera-se neutra e capaz de ditar conteúdos não ideológicos, como se pairasse acima do bem e do mal.
A direita tentou legalizar sua posição. Fez teste, fundando, por lei (Lei 7.800) no sistema educacional do estado de Alagoas, o programa Escola Livre. Em tese, ideias defensáveis. Extraio: “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; pluralismo de ideias no âmbito acadêmico; são vedadas, em sala de aula a prática de doutrinação política e ideológica; o professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária”.
Em abstrato, está bem. Agora, em concreto, quem seria o fiscal neutro para dizer sobre neutralidade? Claro, seria sempre o representante do titular do poder. Melhor a controvérsia. É verdade que há esquerdismo prosélito em salas de aula. Não é menos verdade que há direitismo militante. A condição de força do direitismo é mais perene e espraiada do que as pontas de esquerda tão denunciadas.
O STF, em sede de ADIn 5.537 proposta pela CONTEE e pela CNTE, por decisão do relator, Ministro Roberto Barroso, entendeu que, afora diversas questões formais, a lei alagoana é uma afronta à liberdade de ensinar e ao pluralismo de ideias, princípios e diretrizes do sistema de ensino (CF, Art. 206, II E III). Destaco decisão:
“5. Violação do direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Supressão de domínios inteiros do saber do universo escolar. Incompatibilidade entre o suposto dever de neutralidade, previsto na lei, e os princípios constitucionais da liberdade de ensinar, de aprender e do pluralismo de ideias (CF, Arts. 205, 206 e 214); 6. Vedações genéricas de conduta que, a pretexto de evitarem a doutrinação de alunos, podem gerar a perseguição de professores que não compartilhem das visões dominantes. Risco de aplicação seletiva da lei, para fins persecutórios. Violação ao princípio da proporcionalidade (CF, Art. 5º, LIV, c/c art. 1º)”.
Nietzsche não fez mossa na História por acaso. Ele tem enorme contribuição com o desencantamento do mundo. Ora, somos movidos por interesses, paixões, lutas por poder. Mais própria a controvérsia. Espero que os embates jamais se findem, mas, se alcançarem termo, desejo que ninguém tenha razão. Nem mesmo eu.

Polícia prende, Justiça solta, subjetivismos

Talvez em certos campos da vida fosse desejável algum padrão; nem tudo é padronizável, contudo. Exegeses distintas de fatos análogos não são idênticas, ainda que oriundas de um único intérprete. Duas pessoas não pensam necessariamente do mesmo modo sobre um acontecimento, e uma mesma pessoa, se um acontecimento se repetir, pode compreendê-lo de maneira diversa do entendimento anterior.

Esse tema nem seria considerado socialmente relevante não fossem as discrepâncias entre a Polícia e Justiça: para o credo popular, está estabelecido: a Polícia prende, a Justiça solta. Sobre o assunto há farto material disponível na internet, não só opinativo ou acadêmico, mas “empírico”, com a filmagem de reincidentes e a tomada dos devidos depoimentos de indignados policiais.

Os números relativos estarrecem: “Três menores são responsáveis por 69 infrações à lei em Brasília. Cada um deles reincidiu mais de 20 vezes. São apreendidos, liberados e voltam ao crime. Outros quatro menores infringiram a lei 70 vezes, tendo reincidido entre 15 e 19 vezes. Os menores que reincidiram no crime são 3.968, responsáveis por 12.112 atos infracionais” (Hélio Doyle, Jornal de Brasília, 30set16).

“Enxugar gelo é uma expressão comum entre os policiais quando se referem a prisões e solturas de criminosos. Com isso, revelam frustração frente a uma situação que também incomoda a sociedade – ver bandido no mesmo convívio social e reincidindo no crime” (Ângela Bastos e Gabriela Rovai, Jornal de Santa Catarina, 20out12).

A Justiça diz que “cumpre a Lei”. Essa elucidação não aplaca a opinião pública e autoriza políticos populistas e programas televisivos popularescos a pedir por punitivismo penal. Ademais do cultivo de leis draconianas, “No Brasil, 40% dos presos são provisórios […] Em 37,2% dos casos em que há aplicação de prisão provisória, os réus não são condenados à prisão ao final do processo ou recebem penas menores que seu período de encarceramento inicial” (CartaCapital, 02fev15).
Os dados não deixam dúvidas de que a Justiça prende menos do que a Polícia, o MP e a Sociedade gostariam, mas mais do que a Lei permite. Praticamos excessivamente e indevidamente prisões sem julgamento e condenação.
Quando se escutam juízes e promotores se pronunciarem sobre morosidade judicial, sobretudo quando se trata de prender ou soltar demasiadamente e incorretamente, surge o argumento de que temos excessos de leis, de processos, de recursos. Em parte é verdade. No que há de erros, contudo, reparos têm acontecido.
Eu gostaria de acrescentar outra natureza de grave problema muito brasileiro: o excesso de margem interpretativa que é dado ao magistrado, gerando situações que alcançariam comicidade, não fossem trágicas à ideia geral de Justiça.
“Pontos de vistas explicam prende e solta: Durante audiência de custódia, a juíza Erica afirma que a prova do envolvimento dos suspeitos é muito fraca para manter a prisão. Já a magistrada Alexandra entende o oposto, que a acusação por um crime grave, independente dos indícios mínimos, é o suficiente para manter a prisão.
A juíza Erica entendeu que o relato dos policiais não encontra consonância com o caso concreto. Já Alexandra entende que a palavra do policial tem força por si só, por ser agente público” (Victor Pereira e Diogo Vargas, Diário Catarinense, 8abr17).

Pode parecer que padronizar entendimentos levaria ao cerceamento da liberdade interpretativa. Não é verdade. Os tribunais superiores poderiam decidir de modo vinculativo a respeito de muita coisa, sem incidir no foro íntimo do magistrado de primeiro grau. Calha para exemplificar o caso da diatribe hermenêutica ocorrida entre as juízas citadas: o ponto médio da questão entre elas está em reconhecer ou não validade suficiente de prova à palavra dos policiais que prenderam os réus.

O testemunho do policial que efetuou um flagrante é bastante para embasar a condenação de um acusado? Se está aceita a honestidade como apanágio da nossa polícia, resolvido a favor. Se temos motivo para suspeitar que nem sempre a narrativa dos policiais coincide com os fatos, é impensável acolher, regra geral, a palavra do policial como prova única a fundamentar a prisão de alguém.

Ademais disso, está em pauta a gravidade do fato (juízo subjetivíssimo) como justificadora da conversão da prisão em flagrante em preventiva. O STJ e o próprio STF entenderam recentemente que a gravidade do fato não é suficiente para manter a prisão. Entretanto, juízes mandam prender lastreados nesse argumento.

Ora, essa incerteza jurídica bagunça a credibilidade necessária da Justiça. O STF que produza súmula vinculante. Impensável que a convicção pessoal do juiz de azo a tanto subjetivismo, como se fosse impraticável um mínimo de encaminhamento ordenador a questões repetidas e perfeitamente generalizáveis que estão postas como firulas nos abarrotados escaninhos do Judiciário.

Ser ateu, dar sentido ao ateísmo

Ser ateu é um modo de estar no mundo. Antes de ser implicação com a existência de divindades, o ateísmo é um desdobramento da reflexão filosófica sobre os limites entre o sentido da existência e o absurdo da existência.

Eternamente indaga-se o sentido da vida. Fala-se do assunto em sério, mas de tão vulgarizado, também já se o aborda como gracejo. A Antiguidade discutia o tema, e filósofos importantes dispensavam a ideia de deuses.

Os filósofos que admitiam a possibilidade de um poder gerador consideravam a hipótese de alguma energia propulsora, jamais de um deus guardião da moral, dos bons costumes, ou das atividades sexuais de alguém.

Eram, naqueles tempos, outros deuses; eram outros os seus sentidos. O deus abraâmida propagado na tradição europeia é outra coisa. Vindo dos judeus, tornou-se cristão, acabou católico, depois variou por confissões.

O deus católico é a divindade do chamado 13º apóstolo, Constantino. No século quarto, como imperador de Roma, com o poder que tinha, impôs essa crença ao mundo. Era simples: ou se era católico, ou se era defunto.

É história sabida. O poder religioso atravessou a Idade Média, a Renascença e mesmo parte da Modernidade. Foram mil e quinhentos anos de feroz controle. Só com a Revolução Francesa a coisa começou a sofrer reversão.

Grupos ateus de internet, sobretudo, estão em franco combate com esse deus cristãocatólicoprotestanteevangélico. Isso é importante porque desmistifica, traz a discussão para o raso, desmoraliza o “santo nome do senhor”.

Essa, todavia, não é a questão de fundo. A relevância filosófica está nas decorrências existenciais do ateísmo. Declarado morto por Nietzsche, a realidade de deus é trazida novamente à pauta, sobretudo nos meios intelectuais.

E Nietzsche nem discute a existência do deus semita, di-lo morto. A recalcitrância religiosa insiste que o filósofo se trai: “proposta a morte, admitida a existência”. Nada disso. Nietzsche declara a morte da ideia de um deus.

Inexistindo um princípio (um criador que dê sentido às coisas do mundo), vivemos absurdamente. Seja: a vida não tem sentido, a morte não tem sentido, o viver não tem sentido. Nada tem nem faz sentido algum.

Ou deus, ou nada, dirá Kierkegaard. Se houver algum significado para a vida, o deus (cristão) será a sua fonte derradeira. Se não existe no princípio e no fim esse significado, nada terá significado para coisa nenhuma.

É um deus por exclusão, ou por carência justificadora. É um desesperado “tem que existir deus”. Sartre se apropria desse existencialismo e o faz ateu. De fato, dirá, não existe deus e a vida não tem mesmo sentido.

Como a existência precede a essência, quer dizer, como nós não somos um projeto de deus, temos que dar conta de nós mesmo. A vida terá o sentido que nós construirmos historicamente para a vida. Somos condenados a isso.

Sartre e Camus discrepam um pouco. Para Camus, mesmo o gesto histórico resta absurdo. Sartre defende a invenção de sentidos: a responsabilidade do engajamento nos rumos para os quais conduzir nossas circunstâncias.

Essa é a demanda do ateu: o que fazer da vida, do viver, da existência? Seguramente ninguém pode restringir sua militância à publicação de charges jocosas nas redes sociais, ainda que elas se prestem a uma ironia de combate.

O catolicismo alcança 34,3% da população jovem brasileira; ateus e agnósticos são 25,5%; evangélicos somam 14,9%. A pesquisa é da PUCRS, ou seja, vem de uma instituição insuspeita (http://migre.me/wm28g).

O fenômeno do ateísmo, por ocorrer entre jovens, tende a crescer. Como não está programada para buscar o céu, essa juventude talvez se engaje no delineamento de suas circunstâncias. Militar politicamente, diria Sartre.

Discutir a Sociedade, seus valores: o contrato de viver a vida. O Brasil não está para falar sobre convivência pública. O momento histórico é de descrença na política. O momento histórico é de retomada da política.

A política tradicional está religiosa: quase 100% dos nossos deputados se declara como tal (http://migre.me/wm2B8). Há outros meios de construção de sentidos. Os jovens os estão encontrando. Ainda bem. Graças a deus.

Noruegueses, brasileiros, valores, felicidade

Nós somos melhores do que estamos? Quer dizer: o mal estado da nação nos causa mal-estar? Aparentemente, sim. Protestamos generalizada indignação. Entretanto, cultivamos uma indignação “em tese”. Declaramos descontentamento como se o que o Brasil é não resultasse do que o fizemos ser.

Talvez nem percebamos o quanto nossos cometimentos e desinteresses cotidianos dão causa à nossa vida coletiva e, logo, individual. Dado que atos são impelidos por crenças, talvez devêssemos nos indagar sobre nossas medidas de importância. Que preceitos éticos privados e públicos e que práticas sociais nos importam?

Sob a rubrica ética, o Houaiss define valor: “conjunto de princípios ou normas que, por corporificar um ideal de perfeição ou plenitude moral, deve ser buscado pelos seres humanos”. Isso, claro, é relativo; inexiste ideal universal. Daí talvez devêssemos, comparando nossos valores com os de outros países, nos reavaliar e, até mesmo, refutar algumas das nossas convicções.

“O Relatório Mundial de Felicidade de 2017 colocou a Noruega no topo dos países mais felizes do planeta. A lista, que abrange 155 nações, é baseada no PIB per capita e na expectativa de vida saudável.

Na pesquisa, os entrevistados atribuem notas de 1 a 10 a quanto apoio social sentem que terão se algo der errado em suas vidas, à liberdade de que gozam para fazer suas próprias escolhas de vida, sua opinião sobre o grau de corrupção de sua sociedade e até que ponto se consideram generosos” (FSP, 21mar17).

O Brasil já ocupou a 17ª posição; caímos para a o 22º lugar. Dada a distância, mais ainda com a nossa queda, é de se indagar: que valores professamos e nem sempre cumprimos? Que valores declaram e realizam os noruegueses?

Noruega: 100% da população é alfabetizada Brasil: 12% não é alfabetizada. Escolaridade: Noruega, topo: 12,6 anos; Brasil, 7,2 anos, 97º na fila. Ensino médio: rareamos nas matrículas e só 5,6% delas são em período integral. Universidade: Noruega, 35% da população; Brasil, 14%.

Crenças religiosas: Noruega: 72% de ateus; Brasil: 79% são religiosos. Disso decorrem posições sobre outros aspectos da vida: o aborto, por exemplo. A mulher pode decidir até a 12ª semana, em alguns casos, pode abortar até a 18ª. Em gravidez de gêmeos, pode escolher gerar apenas um filho. Por aqui, uma absurdez. Mas levantamento da ONU aponta que países com boa taxa de alfabetização tendem a ser mais descrentes e a lidar com essas questões com concepções distantes da ideia de pecado.

Mesmo advertidos de nossa precária formação educacional, espargimos moralismos sobre a vida alheia. Ao mesmo tempo, abandonamos em desinteresse a vida em comum, mesmo a próxima, como a das cidades. Em Porto Alegre, cidade politizada, 65% dos eleitores não sabem em quem votaram para vereador; 33% não sabem que prefeito sufragaram. 40% do eleitorado brasileiro não recordam seu sufrágio para deputado federal.

Suspeito de que afora o moralismo religioso que nos faz o fundo a todas as coisas, o mais nos é insignificativo. Cultivamos valores medievais, cremos que a felicidade decorre de pactos com divindades. Customizamos deuses, rezamos. Eis nossa modernidade: a adaptação pessoal do divino, à venda no mercadejamento evangélico.

Com bitolas morais religiosas, renunciamos ao dever de cidadania. Abstraímo-nos de ser, cada um de nós, políticos. Supomos que distanciados da coisa pública podemos produzir estadistas. Ora, de nós decorrem os nossos. De medíocres, mediocridades.

Os canalhas que nos roubam dinheiros e abandonam a gerência da nossa felicidade pública foram eleitos – cada um deles foi eleito. Desmascarados, à esquerda e à direita restam justificados. Nisso, na Noruega não, no Brasil sim, todos se acordam: no traimento do interesse geral.

O Outro de Tati Bernardi

Parte do Brasil vai bem. Estou nela. Quero dizer: algum estudo, alguma renda, plano de saúde, coisas assim. Nada demasiado. Coisa além da conta média, porém, nessa Pátria que concorre pelo último lugar do mundo em distribuição de renda. Lembro José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim.” Os brasileiros estamos esquecendo disso. Nosso entorno urbano é nossa circunstância: ela inclui – e como – a parte do Brasil que não vai bem.

Tati Bernardi, a quem admiro, na FSP, B2, 17mar17: “Waldecir, segurança do meu prédio, puxou papo enquanto eu esperava o elevador: […]. Fiquei me perguntando se valia a pena perder alguns minutos discutindo com um senhor de 58 anos, evangélico, criado em família extremamente machista do interior de Pernambuco.

Se a gente começar a discutir com todo taxista malufista, tio reaça que tira foto com PM, jornaleiro fã do MBL, professor de crossfit e publicitário das antigas, talvez nos sobre muito pouco tempo para viver nossa vida. Então, fazer o quê? Deixa quieto? Sorri? Concorda com aquele queixo de idosa desistente em missa? Torce para o tormento acabar logo?”

Adiante: “Na semana seguinte, Waldecir veio correndo, estava ainda mais perplexo: ‘O programa só piora […]”. Então o segurança despeja sobre Tati os seus preconceitos rancorosos contra Amor & Sexo, programa da TV Globo, mais particularmente contra travestis, questionando se “aquela gente” é normal e legal.

Tati o contesta: “Exatamente, Waldecir. Eles são normais e legais. Você é que anda um tanto chato e paranoico. Para não falar retrógrado, preconceituoso e ignorante”. E indaga: “O que você acha melhor ensinar aos seus filhos […]: dar porrada em todo mundo que considerar diferente ou respeitar qualquer que seja a orientação sexual e visual do amiguinho?”.

Tati conclui lindamente sua contestação à estupidez que ouvia dizendo que não se tratava de gostar, como dizia Waldecir, de “viado de saia”, mas “de gente em suas mais complexas e lindas formas de expressão”. Eu não rebateria melhor um preconceituoso que me assaltasse a consciência com suas crendices hostis. Entretanto, Tati labora em equívoco ao formular as premissas de seu texto. Explico:

Tati, eu mesmo, quem me lê estamos no Brasil que vai bem. De alguma forma somos – linguagem psicanalítica – sujeitos advertidos. Compomos a parte vantajosa desses dois Brasis que se estranham nas ruas, nos taxis, nos elevadores, na política. Nesse distanciamento conceitual, ideológico, econômico, educacional etc em que brasileiros se estabelecem desigualmente, alguns estudamos, temos boa renda, safamo-nos do cotidiano desgastante, violento, alienante em que parte da Nação sobrevive.

Bem, tanto quanto a Tati, essas insultantes posições a respeito do Outro me agastam. Mas, aí, duas contas: muitos cumprem preconceitos em condições sociais avantajadas; já, outros, são vítimas – inclusive ideológicas – das injustas relações sociais brasileiras, que sonegam até boa formação escolar à maior parte do povo.

Discrepo de Tati, todavia, quando ela se declara atormentada – palavras suas – pelo senhor evangélico, nordestino e machista, pelo taxista malufista, pelo tio reaça que tira foto com PM, pelo jornaleiro fã do MBL, pelo professor de crossfit, pelo publicitário das antigas. Ora, esse Outro que Tati refuta compõe tanto quanto o travesti que ela – e eu – defende (“Pessoas que vivem machucadas pelo preconceito, prostituídas pela falta de empregos, carentes de respeito, compreensão e amor”), a parcela dos brasileiros com a qual mais deveríamos manter diálogo.

Todos que estamos bem devemos refugar o pastoreio religioso, não o “cordeiro”; o machismo, não o feito machista no interior do nordeste; a PM violenta, não o tio fotografado; os ladrões do País (a esquerda de direita), não os equivocados que veem solução no MBL; o Maluf, não o taxista que se entrega, pela introjeção do medo, ao discurso de segurança assassina do malufismo ou do bolsonarismo.

Mais concordo do que discordo de Tati Bernardi. Sobremaneira, aquiesço: “Ainda falta emocionar, educar e incomodar muita gente”. A outros Outros, porém; sobretudo, sem concessões, a quem esteve ou está no poder. Não aos feitos franja do sistema. E se o segurança aprecia Amor & Sexo, alguma coisa de boa ele deve ter. Pelo que vê, não pelo que diz, um abraço no Waldecir.

Imagem falada

O casamento de Marcela e Ignacio que aconteceu no Conrad Resort e Cassino em Punta del Este-Uruguai
O casamento de Marcela e Ignacio que aconteceu no Conrad Resort e Cassino em Punta del Este-Uruguai

 

Pôr do sol incrível em Punta del Este-Uruguai
Pôr do sol incrível em Punta del Este-Uruguai

 

A Origem da Vida foi o tema deste ensaio de gestante que realizamos em Garopaba
A Origem da Vida foi o tema deste ensaio de gestante que realizamos em Garopaba

 

Juliana e Murilo ansiosos pela chegada da Betina
Juliana e Murilo ansiosos pela chegada da Betina

 

Jussara e Marcio tendo a lua como testemunha desta união emocionante realizada na Praia do Rosa
Jussara e Marcio tendo a lua como testemunha desta união emocionante realizada na Praia do Rosa
Verified by MonsterInsights