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“A igreja não é carola”

Filho de Braço do Norte, padre Rafael Uliano tem 29 anos, é filho único. Uma situação geralmente que foge a regra de quem busca o sacerdócio. “Aos sete anos eu já era coroinha e acompanhava o padre nas capelas pelo interior. Minha família sempre entendeu a minha escolha e sempre me apoiou nela”, afirma. Bacharel em filosofia e em teologia, ele também é pós-graduado em direito matrimonial canônico. Ingressou no Seminário Nossa Senhora de Fátima, da Diocese de Tubarão em 2001. No dia 26 de maio de 2013 foi ordenado diácono e no dia 31 de agosto do mesmo ano, em Braço do Norte, foi ordenado padre por Dom João Francisco Salm.

Zahyra Mattar
Tubarão

Notisul – Hoje em dia cada vez menos jovens se interessam pelo sacerdócio. A que o senhor credita isso?
Padre Rafael –
O fator principal, primordial, é a redução da família. Antigamente se tinha dez filhos, até mais. Hoje a realidade é outra. Mas isso não é uma regra, até porque eu não tenho irmãos e escolhi o sacerdócio. Outro ponto a ser considerado é que há 40 anos ir para o seminário significava ter oportunidade de estudo. Hoje é muito mais fácil ingressar em uma boa escola ou universidade. O seminário de Tubarão, por exemplo, já teve mais de 200 meninos. Hoje temos sete.

Notisul – O que o senhor acredita que deva ser feito para atrair os adolescentes para a Igreja?
Padre Rafael –
Acredito que o Papa Francisco acertou muito quando disse: “Temos que falar a língua do jovem”. E é verdade. O jovem precisa se sentir parte daquilo. Nas minhas reflexões na igreja procuro sempre inserir assuntos que despertem o interesse deles, como a internet e as redes sociais, por exemplo. Também utilizo o meu Facebook pessoal para disseminar assuntos da igreja em uma linguagem simples. Também temos a Pastoral Universitária, sob a gerência do padre Eduardo Rocha, que ministra uma missa alternativa especialmente para os estudantes, sempre as sextas-feira, às 22 horas, na igreja São Judas, no bairro Dehon (próxima da Rodoviária).

Notisul – Conforme o último censo do IBGE, a Igreja Católica teve queda recorde no número de fiéis. A redução foi de 12,2% entre 2000 e 2010, enquanto a proporção de evangélicos aumentou 44,1%. Passados cinco anos, esta diferença não apenas se manteve como ficou ainda maior. Qual a sua avaliação deste dado?
Padre Rafael –
Sob a ótica cristã, avalio que isso é positivo. Seria muito triste se ouvíssemos que estas pessoas tornaram-se agnósticas, ou seja, deixaram Deus de lado. A própria pesquisa afirma o contrário: as pessoas não deixaram de buscar a Deus, apenas o fazem em outro lugar. É o momento de a Igreja Católica, diante dos números, fazer uma autorrevisão de si mesma? Sim, e é por isso que ocorre neste momento o Sínodo da Família, no qual o papa e alguns bispos refletem a nova estruturação da família, a situação dos casais de segunda união e outros temas que precisam ser debatidos. Não acredito que seja correto dizer que a Igreja Católica esteja perdendo fiéis, até porque as igrejas não concorrem entre si. Além disso, os próprios documentos da Igreja dizem que ela não é detentora de Jesus: “Existem sementes do verbo também em outros grupos religiosos”.

Notisul – Ainda conforme o IBGE, de 1991 até hoje o número de pessoas que se dizem sem religião representa 8% da população brasileira. Um aumento de 8,1% entre os censos de 2000 e 2010. O que o senhor acha que ocorre para uma pessoa deixar a igreja?
Padre Rafael –
Primeiro: em questão de pesquisa as pessoas confundem-se na resposta. Não entendem a diferença de religião e de igreja. Em linhas gerais, acredito que as pessoas não deixam de crer em Deus, o que há é um descontentamento com a igreja da qual participavam, com o bispo, com o papa ou com o padre. Existe um número de pessoas que são totalmente descrentes? Sim, e o maior número está entre os intelectuais. 

Notisul – Por que?
Padre Rafael –
A pessoa vai para a universidade e ocorre do professor tentar provar que o mundo não foi criado por Deus, mas sim pela grande explosão Big Bang. O resultado é que a pessoa, muitas vezes, é influenciada e acaba por se tornar um descrente. Deus existe. Tanto é verdade que ele foi o motor da explosão, ainda que a ciência não admita isso. No meio universitário existe muito esta tentativa de fazer com que o jovem deixe de crer em Deus. É até contraditório porque as universidades surgiram com a Igreja. Em contrapartida, temos que louvar a Deus por tantos professores universitários que ajudam muito no crescimento também da fé dos alunos. Outra coisa que acontece é quando a pessoa está com algum problema ou doença e pede a Deus que a cure ou resolva a sua situação como um mágico. Deus não é mágico, não usa relógio e nem calendário. A pessoa deve pedir sim, mas confiando que Deus dará no tempo certo. Em outras vezes a pessoa ora e o ente querido morre e ela se revolta com Deus. Poxa, Deus nos deu a liberdade e não nos trata como fantoches. Todos estamos expostos e não devemos deixar de crer frente a dificuldades. 

Notisul – Entre os brasileiros declaradamente sem religião, 615 mil afirmam ser ateus e 124 mil consideram-se agnósticos. São números quase 100% superiores ao levantamento de 1991. Este aumento considerável é fruto do que?
Padre Rafael –
Da propaganda. Há 50 anos também existiam ateus e agnósticos, a diferença era que isso não se propagava porque as pessoas viviam distantes uma das outras, não havia uma forma de comunicação tão rápida como hoje, com a internet. Na verdade acho que o número não é maior, apenas temos cada vez mais conhecimento dele do que antes, além de que as pessoas, na atualidade, têm mais liberdade de expressão. Mas isso não importa porque quando um ateu partir para a vida eterna conhecerá Deus e sua misericórdia, pois será acolhido da mesma forma.

Notisul – Uma curiosidade no censo 2010 é que 15,3 mil brasileiros têm mais de uma religião. Geralmente são católicos e espíritas ou católicos e umbandistas. Como o senhor vê isso?
Padre Rafael –
Particularmente, não vejo problema nenhum alguém ir no Centro Espírita, por exemplo, se foi criado desde pequenino lá. O problema está no risco de estar aqui e lá. Você estar em uma igreja ou participar de uma crença é como você estar dentro de um barquinho. Vou pegar o exemplo do catolicismo e do espiritismo: você coloca um pé no barco do catolicismo e o outro pé no barco do espiritismo. Por um momento, os barquinhos navegarão paralelos, mas chegará um momento em que as doutrinas se afastarão porque o espiritismo falará de reencarnação e o catolicismo de ressurreição, dois pensamentos absolutamente opostos. O resultado disso é que os barcos se afastarão e você vai cair na água. O sincretismo religioso é um mal muito grande, pois deixa a pessoa extremamente confusa.

Notisul – Existem temas polêmicos que necessitam de ampla discussão em nível nacional. Entre eles está o aborto, a liberação da maconha e o casamento entre iguais, por exemplo. Todos estes assuntos encontram grande resistência em função da religião. Qual a sua visão?
Padre Rafael –
A Igreja nunca vai guiar-se por aquilo que a maioria pensa, pelo que os padres pensam que deveria ser, pelo que os bispos acham ou pelo que o papa julgue ser o melhor. A Igreja sempre vai guiar-se pela palavra de Deus, pela sagrada escritura. Tudo o que ela mostra como realidades que não devem ser vividas por nós, não é em um tom de resistência ou por ser uma instituição intransponível. A Igreja está apenas explicitando a palavra de Deus. Eu, padre Rafael, posso até pensar diferente, mas na Igreja eu vou colocar e defender a palavra de Deus. A Igreja não é atrasada, carola. Pelo contrário, a Igreja é muito atual porque a palavra de Deus é para sempre e é a última.

"O movimento carismático é uma manifestação do Espírito Santo. Nãodescaracteriza em nada a igreja".

"Obviamente é algo desafiador, mas as redes sociais são, hoje, um novo meio de ensinar o Evangelho".

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