A cada 10 doenças que atingem o ser humano, seis vêm dos animais

Peter Bürger, de 63 anos. Formado há 32 anos, nas primeiras turmas da Udesc de Lages. É austríaco, nascido em Viena, e brasileiro naturalizado. Veio para o Brasil com 4 anos de idade e ficou por aqui desde então. “Minha família migrou para cá. Sou brasileiro por escolha”, brinca Peter. Casado, tem um filho e uma filha. Ambos formados na área da Saúde. É o coordenador e um dos fundadores do curso de Medicina Veterinária da Unisul. Também foi pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Udesc. Atua na área de fisiologia e comportamento ingestivo animal e bioética e bem-estar animal. Acredita que o profissional do futuro é o empreendedor, e avalia que uma das maiores responsabilidades como professor é preparar o jovem para a vida.

Fernando Silva
Tubarão

Notisul – Como funciona o curso de medicina veterinária da Unisul?
Peter Johann Bürger
– Hoje, o curso de medicina veterinária encontra-se dentro da área da saúde, que conta com 14 cursos. Desses, a nossa universidade só não tem dois. Terapia ocupacional e Fonodiaulogia. O nosso curso foi criado em agosto de 2009, e foi iniciado em março de 2010, são três anos e meio de trabalho. Os alunos estudam durante cinco anos, ou dez semestres, onde nove são dos créditos teóricos e práticos e o último é destinado ao estágio obrigatório. Temos tido uma boa captação de alunos. Até pela qualidade que conseguimos imprimir. Note que nós inauguramos em março, então é inusitado um curso que tem uma duração tão breve como o nosso, mas que já tenha a estrutura desse hospital veterinário.

Notisul – Hoje, os alunos estudam em Tubarão e Braço do Norte, como é essa estrutura?
Peter Bürger
– O nosso curso está dividido em dois polos. Um de animais pequenos e silvestres aqui, e um de grande animais em Braço do Norte. Quando modelamos este projeto, levamos em conta inicialmente qual era a localização da população de animais, por meio de um senso agropecuário, feito há cada cinco anos. Fizemos isso porque precisávamos ter uma ideia de como ficaria esse campo. Para se ter uma ideia, nós temos o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, que exigem duas coisas para se abrir um curso de Medicina Veterinária. Uma fazenda experimental e o hospital veterinário. Sem isso, o curso não é credenciado. Então, aqui temos a nossa sede, onde fica o nosso hospital, e a 30 quilômetros daqui, temos a fazenda experimental. De posse do senso agropecuário, nós avaliamos que a distribuição de animais na região era a seguinte: Braço do Norte tinha 40 mil vacas leiteiras, 300 mil aves, 200 mil suínos. Já Tubarão havia números muito reduzidos desses três tipos de animais. Então, verificamos o número de cães e gatos. Só que esses não têm estatísticas. O que se faz é pegar o número da população humana e por como cerca de 20% daquela população como tendo cães e gatos e, deste valor, 15% são errantes, ou seja, de rua. Na época, Braço do Norte tinha cerca de 30 mil habitantes e Tubarão cerca de 100 mil. Então, o projeto ficou mais claro. A parte de pequenos animais tinha que ser aqui, e a de grandes animais tinha que ser lá. Além disso, também temos uma parte especializada em equinos. Alguns procedimentos cirúrgicos precisam ser dentro de um hospital. Porque eles são muito sensíveis. Por isso, que o nosso centro de equinos também fica aqui ao lado do nosso hospital, e toda a parte de grandes animais, em Braço do Norte. Hoje, temos 145 alunos no curso, o que é referente a turmas do primeiro ao oitavo semestre. Em Braço do Norte, nós temos uma unidade acadêmica com salas de aula, laboratórios, bibliotecas e uma unidade experimental de gado de leite. Tudo já está no orçamento da universidade, os projetos estão nas fases finais e as obras devem iniciar em breve.

Notisul – Qual o valor aproximado do investimento feito pela universidade no Hospital Veterinário?
Peter Bürger –
Entorno de R$ 3 milhões investidos aqui. Em relação aos equipamentos, o nosso hospital é muito bem preparado. Com equipamentos de última geração. Se considerarmos o litoral, o eixo aqui da BR-101, é o maior hospital veterinário. Temos todas as condições de oferecer os serviços, que têm duas formas de ser feito. Um é o atendimento agendado, que é quando o proprietário assina um termo e o animal vai para a aula prática, onde professores fazem os procedimentos, explicando para os acadêmicos, desde que o caso seja de acordo com o roteiro da aula prática, e o atendimento não agendado que é quando nós trabalhamos com emergências, na parte clínica, internamento e cirurgias. Dentro dessas áreas temos duas boas novidades. Temos um professor que trabalha com acupuntura veterinária e um professor que trabalha com dermatologia veterinária. Essa área, hoje, compreende quase 25% dos atendimentos de uma clínica. Temos aqui também um laboratório com diagnósticos por imagem, radiologia, o que proporciona um grande diferencial nos atendimentos.

Notisul – O curso atua em parceiria com a Polícia Militar Ambiental?
Peter Bürger
– Sim. Nós tivemos uma reunião com o major que comanda a Polícia Ambiental, porque até o momento nós estávamos atendendo aos animais silvestres acidentados na BR-101 e nas demais rodovias, mas não havia uma formalização. Nessa reunião foi discutido um convênio para formalizar esta situação. Temos um professor especialista na área que é o professor Joares. Os cursos de veterinária sempre são generalistas. Mas, nós, aqui temos três focos. Um na área de equinos, outro de silvestres e um foco importante aqui para a região, que é o de doenças em peixes. Nós, inclusive, também estamos montando um laboratório dessa área. Isso tudo para darmos uma formação excelente ao profissional, mas principalmente para ser uma fonte de atendimento à comunidade.

Notisul – Qual é o cenário da educação na área a nível nacional?
Peter Bürger –
Hoje, o país tem 195 cursos de Medicina Veterinária. Em Santa Catarina são 11, vinculados à instituições privadas, comunitárias e públicas. Há uma tendência crescente de abertura de mercado de trabalho, visto que, por exemplo, há pouco tempo, o Ministério da Saúde abriu vagas para o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Isso caracteriza muito bem a importância do médico veterinário no contexto da saúde coletiva. Hoje, de cada dez doenças que atingem o ser humano, seis passam pelos animais. E vice-versa. São as chamadas zoonoses. Por isso, o grande interesse de prefeituras em criar os chamados centros de zoonoses, que também tem que ter a presença do médico veterinário. Além disso, um profissional da área pode atuar na parte de criação e comercialização das vacinas, uma área de biotecnologia.

Notisul – E o desenvolvimento de vacinas, como funciona?
Peter Bürger
– Há veterinários que hoje se dedicam exclusivamente nesta área, no sentido de desenvolver novas vacinas como imunidade. Hoje, temos linhas que trabalham com vacinas, aqui não temos porque o nosso curso ainda é jovem de mais. Mas, por exemplo, a Udesc de Lages atua com esta área, e uma coisa muito interessante é o seguinte: a febre aftosa, por exemplo – que atinge os bovinos, que são aftas e atingem as mucosas, que faz o animal deixar de se alimentar, perder peso, e aqui em Santa Catarina somos o único estado no país que é livre dessa doença sem a vacinação. Isso dá um valor agregado para a nossa carne muito forte. Porque os outros estados são livres com vacinação. Então o mercado internacional dá muita atenção para Santa Catarina por isso. Conseguimos colocar barreiras sanitárias, com veterinários, isolando o território catarinense dos demais, por isso que não é permitido o transporte de animais entre um estado e outro e, por isso essa valorização.

Notisul – As pessoas têm os animais de estimação como membros da família, como é isso em relação ao trabalho do profissional de veterinária?
Peter Bürger
– O animal doméstico, hoje, e uma coisa nesse ponto é muito interessante, é de que antes estávamos restritos apenas ao cão e ao gato. Agora, cavalo já é pet. Animal silvestre já se transformou em pet, então o animal doméstico passou de ser um elo social. Temos famílias com poucos filhos ou sem nenhum, temos indivíduos isolados e, por isso, esses animais se tornaram como membros das famílias. Por isso, o médico veterinário em atendimento na clínica não pode voltar à atenção apenas para o animal, mas tem que ter uma relação com o proprietário. Com cães, por exemplo, que vivem cerca de 18 anos, é possível ver que as pessoas os tem como parte da família. Aí a preocupação dos donos é ainda maior quando o animal adoece ou fica transtornado. Hoje, um dos problemas é que a população não sabe diferenciar um pet shop de uma clínica veterinária. O pet shop é, na verdade, uma loja que vende acessórios para os animais. Já o consultório, a clínica e o hospital são voltados à saúde desses animais. Às vezes, as pessoas chegam e falam que no pet shop não tinha veterinário, mas o próprio registro do estabelecimento é diferente. Outro ponto importante é a questão das vendas de medicamentos nesses locais. Há a necessidade de registrar-se junto ao conselho regional, e também não pode prescrever medicamento porque isso é privativo do médico veterinário. Hoje, o antibiótico, por exemplo, assim como na linha humana, na linha veterinária tem que ter prescrição.

Notisul – Mas como isso é fiscalizado?
Peter Bürger
– Quem fiscaliza essas questões é o conselho regional de medicina veterinária. Lá, existe um registro do profissional e das entidades que tem algum tipo de interação com a área veterinária. Agropecuárias, indústrias, por exemplo. A nossa sede é em Florianópolis. Cada estado tem um conselho, e todos respondem ao conselho federal, que fica em Brasília. Além disso, existe a sociedade catarinense de medicina veterinária, que também fica sediada em Florianópolis e tem 12 núcleos no estado.

Notisul – Além dos pets, quais áreas o veterinário pode atuar no mercado de trabalho?
Peter Bürger
– Hoje, se adquire cada vez mais a importância do cuidado com a saúde não apenas com o pet, o animal doméstico, mas há também uma crescente nas famílias em terem animais silvestres. Muitas vezes, essas pessoas não têm o conhecimento necessário para cuidar de um animal assim. O manejo que é necessário, o tipo de alimentação correta, porque o médico veterinário atua em vários campos. Na saúde animal, de pequenos animais silvestres, grandes animais, biosegurança de alimentos. Nessa parte, qualquer alimento que tenha origem animal tem que ter a presença de um médico veterinário, onde é feito o abate para acompanhar se o animal teve algum tipo de problema ou doença, para liberar ou descartar esse animal. Essa é uma área privativa do médico veterinário, que precisa conhecer as doenças e ser bem preparado para atuar. Ele precisa saber qual destino dar para esses animais. Há também o trabalho de administração de fazendas, e as próprias atividades de autônomos. Do ponto de vista de mercado é uma das áreas que tem maior possibilidades de empregabilidade. Além disso, o médico veterinário pode ser empresário. Ter uma clínica, um consultório, aí depende de cada um e de suas aptidões.

Notisul – Como é a área de pesquisa, e como ela está no curso?
Peter Bürger
– Hoje, temos pesquisas com relação à produção animal na área de zootecnia, pesquisas de genética, bastante avançadas, outras que se relacionam na reprodução. Essa área da reprodução assistida em veterinária contribuiu muito, inclusive, à questão da reprodução humana. Tem toda uma área de medicamentos, procedimentos, técnicas. A ciência caminha muito rápido nisso. No corpo docente do nosso curso, hoje, temos doutores e doutorandos, que vão começar a implantar as suas linhas de pesquisa em diversas áreas. Isso, para nós, é muito gratificante. Eu e a professora Ester, que hoje coordena o Hospital Veterinário, recebemos a missão de implantar este curso, conseguimos a adesão desses excelentes professores e que tem projetos aqui conosco. É gratificante, mas temos uma longa caminhada pela frente.

Peter por Peter

Deus – Fonte de energia, rege a vida.
Família – Fora da família não há salvação.
Trabalho – Faz parte da pessoa, não há vida saudável sem trabalho.
Passado – Orienta a caminhada ao futuro. Não se pode renegar.
Presente – Clareza nos objetivos. Planejamento.
Futuro – Pertence às pessoas.

"O estágio obrigatório é a primeira incursão do profissional no mercado de trabalho. Isso é importante porque dá a experiência na área que as empresas pedem aos profissionais formados."

"Temos um piso de seis salários e meio para seis horas de trabalho, ou oito salários por oito horas de trabalho, isso no setor privado. Mas, na prática, cada profissional faz o seu salário."

"Aposto muito no veterinário empreendedor. Alguém que gera o próprio emprego. Com isso, o céu é o limite."

"Hoje, dominar uma língua estrangeira é extremamente importante em qualquer área de trabalho. Principalmente, para quem escolher as áreas de pesquisas."

"Independente do número de cursos, o profissional terá onde atuar."