Cursos técnicos – por que não?

Foto: Divulgação/Notisul
Foto: Divulgação/Notisul

Na última semana, abordamos o tema: “Curso técnico ou faculdade” (veja em bit.ly/fernandopitt), e o tema tinha o objetivo de provocar uma reflexão em nossos leitores uma vez que no Brasil ainda há um preconceito histórico e centenário em relação aos cursos profissionalizantes e cursos técnicos.

Embora seja indiscutível a necessidade de qualificação profissional para o trabalhador ter condições de destaque e até mesmo de manutenção de seu emprego neste mundo altamente conectado e com processos cada vez mais automatizados, não é o que observamos na prática.  
A verdade é que estamos ainda muito longe de alcançar as metas propostas no Plano Nacional de Educação (PNE), que tem como objetivo 33% da população entre 18 e 24 anos matriculada em um curso de graduação, além de triplicar as matrículas em cursos técnicos, chegando a mais de 5,2 milhões. Segundo dados do Observatório do PNE em 2015, apenas 18,1% deste público-alvo tem acesso à faculdade, e menos de 1,8 milhão de brasileiros estava matriculado em um curso técnico.

O valor das mensalidades e a indisponibilidade de cursos em determinadas regiões do país são alguns dos motivos pelos quais ainda estamos longe do propósito definido no PNE nas matrículas de cursos de graduação. Deste modo, muitos trabalhadores se sujeitam a empregos menos qualificados, uma vez que não têm formação, e consequentemente também irão ganhar menos, e assim começa um ciclo vicioso que os manterá nesta condição por toda sua vida profissional.  
Sabendo que tanto um curso técnico quanto um curso de graduação proporcionam formações específicas e complementares entre si, e que não existe opção melhor nem pior, e sim a mais adequada ao momento de cada estudante/profissional, então por que não iniciar sua formação por um curso técnico? E de onde surge este preconceito em relação aos cursos técnicos no Brasil, a ponto dos mesmos nem sempre serem considerados?

A resposta não é simples e nem recente, mas podemos resumi-la com base em alguns acontecimentos na história do país, desconsiderando fatos ainda mais distantes que decorrem desde a época dos filósofos gregos. 

No Brasil, já no início de sua colonização, os trabalhos manuais eram associados aos indígenas (catequisados pelos jesuítas) e posteriormente aos escravos africanos, sendo que os “homens livres” deveriam se afastar das tarefas manuais. 
 
Com a chegada da Família Real e a corte Portuguesa em 1808, o Brasil, que até então não podia manufaturar qualquer bem, viveu o início da sua industrialização, porém, até então não havia mão de obra para suprir este mercado recém-aberto. Desta forma, inicia-se as primeiras ações para formação destes trabalhadores. Nos anos seguintes, foram criadas escolas que formariam trabalhadores para manter o padrão de vida que a corte exigia, e, desde então, já previam diferenciação de classes, sendo que os filhos da nobreza passavam a ter acesso a escolas de belas artes e de cursos como de Anatomia e Cirurgia, da Academia Militar, entre outros, enquanto para os “menos favorecidos” eram ofertadas as oportunidades de formação nos trabalhos manuais. 

Muitas outras iniciativas surgiram desde então, seguindo também pelo Brasil Império (após a independência em 1822) e posteriormente Brasil República, mas quase todas associavam a educação profissionalizante à ocupação de indivíduos pobres para resguardar a sociedade dos riscos de violência e revoltas. Este absurdo (para nós nos dias atuais) chegou a ganhar corpo na forma de leis, como verificado no artigo 295 do Código Criminal do Império Brasileiro de 1830, o qual descrevia: “Art. 295. Não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil, de que passa subsistir depois de advertido pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente”, sob “-pena – de prisão com trabalho por oito a 24 dias”. 

Outro ponto referencial é no começo do século 20, quando foi editado, pelo então presidente Nilo Peçanha, um decreto-lei que criou as Escolas de Aprendizes Artífices, cujo propósito era “[…] habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los a adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime […]”.

Observem que estes são apenas alguns dos exemplos da forma que a educação estava estruturada, tanto no período do império quanto no início da República, e que servia para a manutenção de duas classes sociais distintas: a dos “doutores” formadas pelos intelectuais e burocratas, e a dos “operários” formados pelas massas populares.

Embora nos dias atuais esta condição pareça um absurdo, o conceito ainda está enraizado na mente da maioria da população, a ponto que incentivarem seus filhos a serem “doutores” e, para isso, a faculdade aparece como única opção, pois querem se afastar da condição de “operários”.  
Com a evolução tecnológica e também humanística, um trabalhador terá maiores ou menores chances de sucesso não em função da modalidade de ensino, e sim em função de sua formação e dedicação nas atividades desenvolvidas, e, para tal, um curso técnico pode ser a porta de entrada para uma carreira de sucesso.

Assim, caso seu desejo seja fazer uma graduação específica, mas no momento não tem condição de acessá-la, considere começar sua formação por um curso técnico, o qual por ser mais rápido e focado, lhe dará condições para que esteja empregado tão logo finalize o mesmo, e assim, com o rendimento deste trabalho será possível ingressar na faculdade.  
Este é o momento certo de escolha, pois a maioria das escolas profissionalizantes da cidade ainda está com suas matrículas abertas. Não deixe para depois.
Leia outros textos desta coluna em: http://bit.ly/fernandopitt.