Quer conhecer a Deus?

Nestes tempos belicosos de polarização, com tentativas fadadas ao fracasso de encontrar qualquer tipo de salvação que não seja em Cristo, é de suma importância, para nós cristãos, não perder de vista o caminho para o Pai. 

Mas como ter um encontro real com este Deus que é, de certa forma, inacessível?

O evangelho de João afirma que “ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). No entanto, o Pai se dirige à sua criação, deseja se relacionar com ela, porém a condição caída dos homens e suas limitações os impede de ter tal acesso.

Então, em termos do Antigo Testamento, como Deus se revelava? Ele se revelava principalmente por meio de “teofanias”. Teofania é o termo usado para “manifestações de Deus”, quando Deus se revelava de maneira suportável aos homens. Como exemplos clássicos temos a luta de Jacó com o Anjo, ou quando Moisés teve um vislumbre de Deus “como homem”.

O conceito da teofania já era utilizado pelos rabinos judeus para responder à questão do Deus transcendente se revelando aos homens. Por isso, nas traduções aramaicas do Antigo Testamento, conhecidas como Targum, em muitas passagens em que Deus se revela em forma “humana” (antropomorfismo) ou coisa do gênero, geralmente se faz uso da expressão aramaica: Memra מאמרא

Memra é o termo aramaico equivalente de “palavra”, em português. Em grego temos a palavra logos λογος. Com esse termo os escribas judeus indiretamente afirmavam enfim, que sem a mediação da “Palavra” (memra), Deus jamais seria conhecido.

Da teologia do memra, desenvolveu-se a compreensão de João, de que esta “Palavra” este “Verbo” que revela o Deus Transcendente (o Pai), se faz carne e habitou entre nós (João 1:1-14). O que significa, que mesmo no AT, toda compreensão do Pai dava-se por meio do Verbo de Deus – o Messias. O conhecimento de Deus era então mediado e não imediato.

Neste contexto podemos compreender melhor as palavras de Jesus: “Ninguém jamais viu a Deus; o filho unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou.” (Jo 1:8)

O Pai é possuidor de todos os atributos invisíveis da divindade. Ele é a fonte de tudo, dEle procedem o Filho (gerado e não criado Hb 1:5) e o Espírito Santo, dádiva do Pai, por intercessão do Filho (Jo 14:16). Dessa forma, o conhecimento do Pai é impossível autonomamente. Ninguém pode conhecê-lo sem o Filho, sem o “verbo de Deus”.

Jesus como gerado, é co-substancial (tem a mesma natureza divina) do Pai, mas seu papel e função são distintos. Importante mencionar que quando as pessoas se relacionavam com Deus, por meio do memra ou suas teofanias, não o tratavam como uma “semi-divindade” ou um “demiurgo”, mas nos termos da divindade, de Deus mesmo. Abraão, quando da visita do anjo, se dirige a Ele como YHVH. Neste sentido, Jesus, o Verbo, é algo para além de uma “teofania” (manifestação), pois nEle habita corporalmente a plenitude da divindade (Cl 2:9).

Portanto Jesus não é apenas uma “representação”. Ele é co-eterno e co-substancial com o Pai, o que significa que Ele é fundamentalmente e essencialmente Deus. Sem qualquer fragmentação de sua natureza. Porém, simultaneamente, se distingue dEle em seu papel divino. Se assim não for, fomos libertos por um “representante” e não por Deus. E temos vários textos como Filipenses (Fp 2:6-7) que deixam claro que Ele (Jesus) abriu mão (grego kenosis) de sua subsistência divina para se tornar semelhante aos homens.

Existe um “paradoxo” na trindade, mas nunca uma “contradição”. No paradoxo coisas aparentemente distintas podem conviver sem se anularem, na contradição isto não ocorre. Jesus é a porta, o caminho, Aquele que conduz o homem de volta ao jardim. E por meio de Cristo podemos, enfim, caminhar com o Pai.