De Camões à Laodiceia

O que faz com que uma paixão termine?

Quem não se lembra dos primeiros dias quando conheceu o seu cônjuge? Quando o pulsar do coração batia no compasso do “amor”? Não havia dias frios, quentes ou qualquer intempérie que fosse obstáculo para o momento mágico do encontro dos olhares, do toque nas mãos…como já se constatou por aí, quando estamos apaixonados tudo o mais perde importância. Dormir tarde, acordar cedo e outras atividades do cotidiano ficam pequenas frente à avalanche de emoções que inundam o coração.

Como diria Luis de Camões, amor é fogo que arde sem se ver. Entretanto, é fato certo que este sentimento apaixonado vai aos poucos se esvaindo. A emoção do reencontro se perde à medida que os dias vão passando, e a realidade torna-se mais evidente do que a ilusão que a paixão proporciona.

Até aqui falamos basicamente do relacionamento entre um homem e uma mulher. Porém, em nossa vida espiritual, pode-se experimentar o mesmo sentimento? Podemos amar a Deus e depois deixar de amar?

O texto de Apocalipse 3.14-20 narra as palavras de Jesus dirigidas à igreja de Laodiceia, quando alerta sobre o esfriamento do amor. Os membros daquela igreja foram descritos como “mornos”. O que havia acontecido? O texto nos dá algumas pistas:

“Conheço as tuas obras…” (v.15) – este é o ponto de partida usado por Jesus para se dirigir aos membros da Igreja. Havia algum problema em suas atitudes. Pode-se fazer aqui uma menção ao conceito hebraico de caminho (dérech), profundamente relacionado ao comportamento (cf Sl 1), que é diferente ao pensamento grego que valoriza o discurso em detrimento das ações (vide os sofistas). No versículo seguinte encontramos o motivo da apatia espiritual – acompanhe:

“…E ainda dizes: ‘Estou rico, conquistei muitas riquezas e não preciso de mais nada”. (v.17)
Autossuficiência. Egoísmo. Nada diferente da cultura hedonista em que vivemos, onde o valor do indivíduo está relacionado ao que possui, e não ao que é. Basta uma passada rápida nos programas de TV populares e lá encontramos “celebridades” que não são referência de nada opinando sobre todo e qualquer assunto. De qualquer modo, a Igreja de Laodiceia se achava mais do que suficiente, a ponto de não olhar mais para Deus e dEle esperar qualquer coisa…sutil, não? Aliás, desde que o diabo ofereceu a prosperidade a Jesus em troca de adoração, esta deixou de ser um sinal de aprovação divina.

A apatia originou-se de uma falsa fartura, que criou um sentimento do tipo “não preciso mais de Deus”.

Este é um processo que inicia com um pequeno desvio de foco: o Senhor deixa de ser o centro para dar lugar ao ventre humano. Isso trouxe uma mudança de valores. Eles se achavam ricos, mas diante do Senhor eram pobres e miseráveis.

“…E, por este motivo, porque és morto, não és frio nem quente, estou a ponto de vomitar-te da minha boca…” Ap 3.16
Tanto a água gelada quanto a quente possuem suas finalidades (refrescantes, terapêuticas, etc.), porém a água morna para nada serve…o sentido aqui é de ser uma vida útil para o Reino. A apatia gerara a falta de frutos, e a falta de frutos os faria serem vomitados por Deus. Uma ação divina resultante do julgamento da esterilidade.

Qual seria, portanto, o ponto de virada? O próprio Jesus aponta no versículo 18: arrependimento. Que a igreja se tornasse novamente cristocêntrica. Que a vida orbitasse novamente ao redor de Jesus. O mesmo chamado ouvido na ocasião da ceia com os discípulos, da refeição na praia com o desconfiado Pedro, ou ainda do peregrino Abraão ao receber em sua tenda o Senhor – íntima comunhão.

Desfrute disso! Seu amor nunca falha. Ouça Seu chamado e sente-se à mesa do Senhor. Do que você precisa se arrepender hoje?