Adolescentes que dispensam o café da manhã podem desenvolver obesidade

Peter Moon  |  Agência FAPESP    – Em um trabalho publicado na Scientific Reports, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo     (FMUSP) e de seis países europeus avaliam comportamentos determinantes para o ganho de     peso entre crianças e adolescentes. A obesidade infantil pode favorecer o     surgimento prematuro de problemas como o diabetes tipo 2 e doenças     cardiovasculares.


O estudo destaca que o hábito de muitos adolescentes de pular o café da     manhã em suas casas antes de seguir para as escolas guarda relação direta     com o aumento da circunferência abdominal e com o aumento no índice de     massa corporal (IMC) nesse grupo etário. Dispensar a primeira refeição do     dia pode levar a uma dieta desequilibrada, além de hábitos nada saudáveis,     o que pode tornar os adolescentes vulneráveis ao ganho de peso.


“O principal achado de nosso estudo indica que pular o desjejum está     associado a marcadores de adiposidade em adolescentes, independentemente de onde vivem, do tempo de sono ou do sexo”, disse    Elsie Costa de Oliveira Forkert, epidemiologista e pesquisadora do Grupo de Pesquisa YCare do Departamento     de Medicina Preventiva da FMUSP.


“Ao dispensar o café da manhã, milhões de crianças e adolescentes em todo o     mundo podem substituir uma alimentação mais saudável dentro de casa     (lácteos, cereais integrais e frutas) pelo consumo, em cafeterias e     lanchonetes escolares, de alimentos industrializados muitas vezes     hipercalóricos e de baixo valor nutricional, como salgadinhos, doces e     refrigerantes, o que está diretamente ligado ao desenvolvimento da     obesidade”, disse.


O artigo complementa o trabalho de pós-doutorado de Forkert,    apoiado pela FAPESP, e contou com a colaboração de cientistas da Alemanha, Áustria, Bélgica,     Espanha, Grécia e da Itália.

A partir dos dados de dois grandes estudos, um europeu e outro brasileiro,     os cientistas avaliaram se os comportamentos relacionados ao equilíbrio     energético adotados por esses adolescentes estariam associados a marcadores     de adiposidade total e abdominal.


O estudo europeu é o Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in     Adolescence Cross-Sectional Study (Helena-CSS), conduzido entre 2006 e 2007     e que avaliou 3.528 adolescentes de 10 grandes cidades europeias (composto     por 52,3% de meninas e 47,7% de meninos, todos entre 12,5 e 17,5 anos),     estratificados por idade, sexo, região e status socioeconômico. A     coordenação do estudo europeu foi feita pelo professor Luis Alberto Moreno,     da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Zaragoza, na Espanha.

Já o estudo brasileiro intitulado Saúde Cardiovascular do Adolescente     Brasileiro (BRACAH Study), utilizando metodologia semelhante, avaliou 991     adolescentes (54,5% de meninas e 45,5% de meninos, com idade entre 14 e 18     anos) e foi conduzido em 2007 na cidade de Maringá (PR). Os adolescentes     foram avaliados quanto a fatores de risco cardiovascular e comportamentos relacionados à saúde. O estudo BRACAH foi coordenado pelo professor    Augusto Cesar Ferreira de Moraes, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP.


O novo estudo, do qual participou Forkert, avaliou peso e altura, índice de massa     corporal (indicador de obesidade geral), circunferência abdominal e relação     cintura-altura (indicadores de obesidade abdominal).


“Os comportamentos relacionados ao equilíbrio energético foram medidos por     meio de questionário que avaliou, entre outros fatores, o nível de     atividade física dos adolescentes (na escola, em casa, nas horas de lazer,     no transporte), sendo que um mínimo de 60 minutos por dia de atividade     física de moderada a vigorosa foi considerado adequado, enquanto atividade     física inferior a 60 minutos ao dia foi considerada insuficiente”, disse     Forkert.


Para averiguar o comportamento sedentário dos adolescentes, em dias de semana e fins de semana, foi considerado o tempo diário despendido na frente da televisão, do computador ou jogando videogames. O     tempo de sono dos adolescentes pesquisados também foi examinado,     considerando o tempo de sono habitual, em dias da semana e aos finais de     semana.


O questionário de Escolhas e Preferências Alimentares, que explora atitudes     e preocupações quanto a alimentação, estilo de vida     e alimentação saudável entre os adolescentes, também foi usado para avaliar     o consumo de café da manhã, com base no grau de concordância (em uma escala     de 1 a 7) com a afirmação “Eu muitas vezes pulo o café da manhã”.


A partir dessas informações os cientistas analisaram se os adolescentes que     dispensavem o café da manhã apresentavam, em média, valores maiores nos     marcadores de adiposidade em relação aos adolescentes que tomavam o café da     manhã.

“Dos comportamentos analisados, relacionados ao equilíbrio energético, o     que mais apresentou associação com os marcadores de obesidade foi o     comportamento de pular o café da manhã”, disse Forkert. 


Sedentarismo e mais calorias

Tanto no estudo europeu como no brasileiro, os meninos se mostraram em     média mais pesados e mais altos do que as meninas e apresentaram     circunferência abdominal igualmente maior.

“Verificamos um aumento médio na circunferência abdominal de 2,61     centímetros e 2,13 centímetros, respectivamente, nos meninos europeus e     brasileiros, quando esses têm o hábito de pular o café da manhã”, disse     Forkert.


“Por outro lado, quando usamos o tempo de sono influenciando a associação     entre os outros comportamentos e os marcadores de obesidade, observou-se     que os meninos europeus e brasileiros que pularam o café da manhã, mesmo     dormindo adequadamente [oito horas por dia ou mais], aumentaram em média     1,29 kg/m² e 1,69 kg/m² o índice de massa corporal, respectivamente”,     disse.


Entre os meninos europeus e brasileiros, pular o café da manhã foi o     comportamento predominante, mostrando associação positiva com os     indicadores de obesidade (índice de massa corpórea, circunferência     abdominal e relação cintura-altura).

“O mesmo ocorreu entre meninas europeias. Diante do comportamento de pular     o café da manhã, mesmo dormindo adequadamente houve uma associação positiva     com os marcadores de obesidade geral e abdominal. Por exemplo, a     circunferência abdominal aumentou em média 1,97 centímetro e a relação     cintura-altura 0.02”, disse Forkert.


Em relação às meninas estudadas, as brasileiras se mostraram mais     sedentárias do que os meninos. Já as europeias, apesar de apresentarem menor     prevalência de comportamentos sedentários, eram, em contrapartida, menos     ativas fisicamente quando comparadas aos meninos europeus, embora mais     ativas do que os adolescentes brasileiros. O comportamento sedentário (mais de duas horas por dia) nessas adolescentes europeias mostrou um     aumentou na circunferência abdominal (em média de 1,20 cm), mesmo tendo     um tempo de sono adequado.


“No entanto, entre os meninos brasileiros que dormiam menos de oito horas     por dia, observou-se uma proteção quanto à obesidade geral [em média uma     diminuição de -0,93 kg/m²]”, disse Forkert.


Segundo a pesquisadora, embora a investigação de tais comportamentos não     tenha sido contemplada no estudo, “pode-se imaginar que, entre os     adolescentes de comportamento mais sedentário e que passam mais tempo     diante da televisão, no computador ou brincando com eletrônicos, eles podem     estar se alimentando inadequadamente enquanto assistem televisão ou jogam.     O sedentarismo associado ao maior consumo calórico é um caminho direto para     a obesidade”.


O artigo              Skipping breakfast is associated with adiposity markers especially when         sleep time is adequate in adolescentes          (doi: https://doi.org/10.1038/s41598-019-42859-7), de Elsie C. O. Forkert,     Augusto Cesar Ferreira De Moraes, Heráclito Barbosa Carvalho, Yannis     Manios, Kurt Widhalm, Marcela González-Gross, Angel Gutierrez, Anthony     Kafatos, Laura Censi, Stefaan De Henauw e Luis A. Moreno, está publicado em              www.nature.com/articles/s41598-019-42859-7.